Há exatos 13 anos, Marina Silva se desfiliou do PT por não ver mais espaço na sigla para suas ideias, após denúncias de corrupção envolvendo o partido. Em razão das divergências, a ex-ministra entrou na corrida pela Presidência por três vezes, na tentativa de quebrar a polarização que enclausura o País desde a redemocratização. Em 2014, quase chegou ao segundo turno, mas teve a candidatura minada pela campanha de Dilma, à época encabeçada pelo marqueteiro João Santana, hoje publicitário de Ciro Gomes. Para Marina, os ataques que sofreu do PT naquela época inauguraram o processo de violência política por meio da difusão de fake news no País. “Espero que todos estejam conscientes de que aquilo não foi bom para a democracia e serviu como base para algo que se aprofundou de forma assustadora com a máquina de desconstrução que é feita por Bolsonaro e seus asseclas”. Em 2022, Marina tem um projeto diferente: busca a eleição como deputada federal por São Paulo, e, na condição de uma das lideranças políticas de destaque no País, é procurada por emissários do PT para declarar voto em Lula no primeiro turno em meio à acirrada disputa com Bolsonaro, o que ela vem se recusando a fazer. Para fazê-lo, ela cobra um compromisso incisivo de Lula em relação à agenda socioambiental.


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Michelle Bolsonaro tem abusado do tom religioso na campanha. Chegou a dizer que o “Planalto já foi consagrado a demônios”. Como evangélica, o que acha de se usar o evangelho para a conquista de votos?
A manipulação da fé é algo ruim para a política e para a religião. Quando as pessoas começam a fazer esse tipo de instrumentalização, estão levando o País para um lugar que não é bom. Primeiro, porque estão desconsiderando que somos um Estado laico, onde as pessoas, cada uma delas, têm o direito de viver sua fé, independentemente de qual seja, ou de não professar nenhuma religião. Isso não é bom para a nossa democracia. É fundamental que, no processo político, os brasileiros votem com base em propostas e que os eleitores sejam tratados como cidadãos e não com o uso de sua fé e espiritualidade.

Nas eleições deste ano, a Justiça terá, como um dos principais desafios, coibir a difusão de notícias falsas. O cenário é preocupante?
A difusão de fake news é um ataque frontal à democracia e uma ameaça do ponto de vista da ética e dos valores que deveriam nortear as ações daqueles que estão se dispondo a assumir um cargo de liderança, seja no Executivo ou no Legislativo. As notícias falsas comprometeram a decisão soberana do povo brasileiro em 2014. Ali, com o PT, tivemos o início de um processo de violência política. Eu espero que todos estejam conscientes de que aquilo não foi bom para a democracia e serviu como base para algo que se aprofundou de forma assustadora hoje, com a máquina de desconstrução que é feita por Bolsonaro e seus asseclas. O que temos de fazer é usar de todos os meios legais para barrar as fake news. Mentir é crime, ainda mais quando se mente trazendo sérios prejuízos à saúde, às finanças públicas e aos direitos humanos.

O que a sra. espera da gestão de Alexandre de Moraes à frente do TSE?
Neste momento de profundos ataques à democracia, de tentativas de desmoralização do processo eleitoral brasileiro, em que o presidente da República quer usar as urnas como pretexto para desconsiderar a vontade soberana do povo de escolher seus representantes, é fundamental que o presidente do TSE e toda a sociedade estejam mobilizados para fazer valer a Constituição e toda a legislação infraconstitucional que assegura o Estado Democrático de Direito.

O ato de 11 de agosto foi uma resposta contundente à investida antidemocrática de Bolsonaro. Ocorreu, porém, dois anos após o início dos ataques do presidente às urnas. A sociedade demorou a reagir?
A sociedade e as instituições sempre reagiram à altura dos ataques autoritários de Bolsonaro. Não vamos nos esquecer que tivemos uma pandemia, em que o governo atrasou a compra de vacinas, fez campanha contra o isolamento e encampou propaganda contrária ao uso de máscaras. As pessoas que respeitaram os cuidados com a saúde não faziam manifestações pelas circunstâncias. O ato do dia 11 de agosto é apenas o início daquilo que chamo de uma vigília permanente de forma ativa: uma comissão de frente do grande desfile democrático que a sociedade haverá de fazer contra qualquer arroubo autoritário.

Um dos grandes trunfos de Bolsonaro contra Lula é a lembrança de escândalos de corrupção na era PT. Em resposta, o partido costuma desmoralizar a Lava Jato…
Corrupção é algo que precisa ser combatido de forma veemente, usando todos os mecanismos legais de que se dispõe para evitar o escoamento de dinheiro público. Infelizmente, os que mais desmoralizaram a Lava Jato foram aqueles, como Sergio Moro, que, no lugar de seguir o devido processo legal, atuaram politicamente à frente da operação, prejudicando um trabalho que era e é muito importante para o País. Os processos que vinham sendo investigados pela Lava Jato não deixam de existir em função da manipulação e interesse político. Mas é tão claro que houve manipulação que Moro deixou de ser juiz, assumiu um ministério e, agora, é candidato ao Senado.

A sra. pretende declarar voto em Lula ainda no primeiro turno, como os petistas lhe pedem?
Tenho debatido publicamente ideias que acho que são importantes neste momento do País e digo que estou aberta ao diálogo. Tenho divergências, sim, com o PT. Foi em função disso que saí do governo, mudei de partido e me candidatei à Presidência. Mas, na democracia, a gente dialoga. Eu nunca levei as coisas para o terreno das questões subjetivas e pessoais. Trato a relação com o PT como divergência política e luto por uma agenda de interesse do Brasil e da humanidade. Acredito que o grande desafio e a base dessa conversa é o resgate atualizado da agenda socioambiental. Obviamente que o diálogo é algo que tem que partir também daqueles que entendem que essas propostas são relevantes. As interlocuções políticas não são apenas, digamos, na escala puramente técnica. São feitas também com gestos políticos.

Qual seria o gesto necessário? A adoção de suas propostas para o meio ambiente?
Todos os compromissos estão sendo assumidos publicamente. Com a agenda ambiental, não será diferente. Mais do que ter uma certa ansiedade por declaração de voto, o Brasil precisa que os candidatos declarem e demonstrem com o que estão comprometidos. Por exemplo, Belo Monte. Belo Monte foi um desastre. Erros são cometidos e podem ser reconhecidos e não repetidos. Claramente, temos que pactuar que empreendimentos como o de Belo Monte não podem ser repetidos. Não pode ser repetido o erro de todos os R$ 300 bilhões do Plano Safra serem direcionados para a agricultura convencional e apenas 1% para a de baixo carbono. Devemos ter um acerto pela transição rumo à indústria 4.0, a investimentos que nos levem a combater desigualdades.

Como a sra. vê a iniciativa do PT de lançar mão de campanha pelo voto útil para ampliar a vantagem sobre Bolsonaro?
A existência de diferentes candidaturas em uma eleição de dois turnos faz parte do funcionamento saudável da democracia. Estamos vivendo uma situação de emergência em que temos de agir, todos, em defesa da democracia, a qual vem sendo o tempo todo atacada, mas cada partido que tem uma candidatura deve trabalhar em termos programáticos para buscar apoio sem precisar ficar demolindo ou desconstruindo as demais candidaturas do campo democrático. O que não se pode é ficar criando bodes expiatórios. Não é uma questão de dar ênfase a um candidato ou a um partido. Trata-se de dar ênfase à vontade de um povo, no esforço para um processo de novo legado.

Há um vazio de propostas nesta campanha?
Preciso ser justa. Vejo movimentos intensos por parte das candidaturas de Lula, Ciro Gomes e Simone Tebet para discutir problemas. Não entro no mérito dos programas de governo de cada um, mas vejo que tem ocorrido um esforço na direção do debate, com inúmeros seminários e rodadas de conversas. No caso de Bolsonaro, não há essa tentativa, porque o presidente ganhou a primeira eleição apenas dizendo o que queria destruir. Na política ambiental, ele foi muito claro: “Não vou mais demarcar um centímetro de terra indígena”. Em algumas vezes, ele até mencionou que faria um governo técnico, mas isso caiu por terra logo no início da gestão.

Por que isso aconteceu?
Que governo técnico é esse que põe na Funai militares que não entendem nada da questão indígena? Que governo técnico é esse que coloca no Ministério do Meio Ambiente antiambientalistas? Que governo técnico é esse que coloca no Ministério da Educação pessoas que não têm compromisso com o setor e estão ali para fazer corrupção? Que governo técnico é esse que, em uma das piores crises de saúde que a humanidade já enfrentou — com exceção de Mandetta, que fez um grande esforço como médico —, valeu-se dos piores ministros que nos levaram à perda de quase 700 mil vidas? Ele dizia que ia ter uma gestão técnica, mas fez um governo puramente político e incompetente, que não trabalha para resolver os problemas que o Brasil enfrenta.

Lula tem sido acusado de ser “pragmático demais” ao atrair para sua aliança gente como o deputado Neri Geller e o senador Carlos Fávaro, líderes dos ruralistas. O momento exige essa postura?
Trata-se de dois parlamentares que são carros-chefe do retrocesso e, digamos, do andamento do pacote da destruição que tramita no Congresso. Espero que a aproximação seja porque eles estão revendo suas posições em relação à agenda do Meio Ambiente. A atitude de não respeitar a proteção das florestas e dos povos indígenas e de fortalecer o aumento de agrotóxicos está, inclusive, prejudicando o próprio agronegócio.

Concorda com a tese de que mesmo uma eventual derrota de Bolsonaro não colocará fim ao bolsonarismo?
A polarização faz parte de um conjunto de erros cometidos pelo próprio campo democrático nesses anos. É algo que poderia muito bem ter sido superado. Infelizmente, a aposta feita foi a de manter a polarização entre partidos que se perpetuavam no poder. Agora, temos algo incomparavelmente pior. Não é mais uma polarização entre democratas e democratas. É uma polarização entre democratas e um autocrata, entre aqueles que acreditam que a sociedade deve escolher seus representantes e os que acham que devem ganhar o poder passando por cima da vontade soberana do povo. Essa polarização é destrutiva para a democracia e as instituições. Não basta derrotar o Bolsonaro, precisamos derrotar o bolsonarismo. Para isso, é necessário trabalhar. Quanto mais diálogo e disposição para entender que essa vitória não será apenas de um líder ou um partido, melhor.