10/03/2023 - 9:30
A homenagem aos 70 anos de Cassino Royale, primeiro livro de Ian Fleming e que apresenta James Bond, será diferente dos eventos aos quais os fãs do personagem estão acostumados. Em vez de uma festa glamourosa, regada a drinques, vilões exóticos e belas mulheres, as famosas “Bond Girls”, a data será comemorada de uma maneira politicamente correta. A partir de abril, os doze romances de 007 passarão por uma revisão feita por uma comissão de “leitores sensíveis”. Além da suavização das referências machistas, serão retirados comentários raciais e menções preconceituosas sobre etnias de diversos personagens.
O objetivo é adaptar o discurso às novas gerações, evitando um eventual cancelamento do agente secreto. Os responsáveis pelo espólio de Fleming alegam que o autor seria favorável às alterações, uma vez que ele mesmo aceitou trocar um termo racista a pedido do editor americano de Viva e Deixe Morrer, publicado em 1964. Não é a opinião de Andrew Lycett, autor de O Homem que Criou James Bond. O biógrafo de Fleming diz que a sugestão acatada foi pontual e o autor não aceitaria mudanças: “O que ele escreveu deveria permanecer como está. Não é possível mudar Bond, ele é um protagonista do seu tempo. Ele gosta de mulheres, mas sua abordagem em relação a elas foge das normas culturais de hoje”.
As novas edições virão acompanhadas de um aviso: “esse livro foi escrito numa época em que eram comuns expressões e atitudes que poderiam ser considerados ofensivas por leitores modernos. Atualizações foram feitas, mantendo o mais próximo possível do texto original e do período em que foi apresentado.” Um comunicado para contextualizar a época em que a obra foi produzida também foi aplicado a um dos maiores clássicos do cinema, …E o Vento Levou, de 1939. O filme da HBO Max voltou a ser exibido com um aviso que diz que “a produção nega os horrores da escravidão, bem como seus legados de desigualdade racial”. O material inclui ainda dois vídeos, um de Jacqueline Stewart, especialista em arte afro-americana, e outro com o painel O Complicado Legado de …E o Ventou Levou, realizado em 2019. Uma das maiores críticas à produção diz respeito à personagem Mammy, escrava que vive na mansão da protagonista Scarlett O’Hara. Ela é mostrada como alguém que encara a submissão de forma positiva. Pelo papel, a atriz Hattie McDaniel ganhou um Oscar. Após receber a estatueta, ela voltou para o seu assento, em uma área reservada aos negros, nos fundos do teatro, ao lado da cozinha.

Outro autor que passará por um processo revisionista semelhante é Roald Dahl, falecido em 1990. No caso do britânico o problema são os termos que poderiam soar ofensivos a crianças, uma vez que ele é um popular autor infantil. No clássico A Fantástica Fábrica de Chocolate, por exemplo, o termo “gordo” será substituído por “grande”. A adaptação de Tim Burton para as telas, no entanto, não será modificada. A editora Puffin UK informou que manterá em catálogo as obras originais. Os leitores, portanto, terão a opção de escolher entre as duas versões. Uma prova de que o assunto está longe de ser unanimidade é que a editora francesa de Dahl anunciou que as mudanças não serão seguidas no país. A empresa manterá as traduções feitas nos anos 1960. Na França, há o “droit d’auteur”, legislação que impede a alteração do conteúdo da obra sem a autorização do autor ou dos herdeiros. Pelo jeito, essas revisões ainda terão bons capítulos pela frente.
INFANTIL Palavras mais leves: o termo “gordo”, por exemplo, será trocado por “grande”
