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Mais de cem anos se passaram, gerações se sucederam, e parece que foi ontem a tragédia do naufrágio do Titanic. Por meio de uma infinidade de filmes, livros, teses, estudos, pesquisas científicas e imaginação popular ela atravessou o tempo e, até hoje, tudo que lhe diz respeito desperta grande atenção, curiosidade e expectativa. É o que está acontecendo, mais uma vez, com o leilão programado para o final desse mês, na Irlanda do Norte, quando estarão à venda alguns objetos que pertenceram aos sobreviventes do fatal destino. Falou-se em tragédia, falou-se em sobreviventes, falou-se em fatalidade. Olhemos para um passado muito distante… noite de 14 de abril de 1912, singra o gelado Oceano Atlântico o navio Titanic, até então a mais suntuosa embarcação britânica já construída em estaleiros da capital irlandesa Belfast, justamente onde agora, cento e dez anos depois, será realizado o leilão.

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Mas voltemos ao mar e à escura e fatídica noite. O Titanic, em seus diversos andares, está transportando cerca de duas mil e quinhentas pessoas: passageiros excêntricos e milionários, ricaços empobrecidos viajando de favor, elite nobiliárquica, senhoras da alta sociedade, uma infinidade de crianças e tripulação altamente qualificada. Joga-se, dança-se, banqueteia-se, fuma-se, dorme-se, passeia-se e conversa-se animadamente no convés. Frio, exageradamente frio. Assim vai o Titanic, exemplo da nova tecnologia e esmero na montagem de um navio, a inspirar o orgulhoso capitão, Edward John Smith, a declarar pouco antes do embarque: “esse é o navio que nem Deus afunda”. Uma passageira, a socialite norte-americana Margaret Brown, não lhe aprovou a fala. E assim, repita-se, vai o Titanic, segue em sua viagem inaugural. São vinte e três horas e quarenta minutos, está ele na rota náutica entre Southampton e Nova York, quando o capitão Smith avista, em meio à escuridão e já numa distância de apenas dois quilômetros, um enorme iceberg. Em trinta e sete segundos o Titanic chocou-se com o bloco de gelo. E vieram susto e incredulidade, e vieram susto e incredulidade e medo, e tudo virou desespero e pânico quando Thomas Andrews, um dos engenheiros que construíra o navio e dele estava a bordo, deu o seu pragmático prognóstico tão álgido feito o mar noturno: “vamos afundar”.

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Já batido e avariado, no início da madrugada de 15 de abril o Titanic teve a energia elétrica danificada – não dava mais para pedir socorro a outras embarcações. Por volta das duas horas, ele partiu-se ao meio: a proa foi afundando e a popa inclinou-se. Vinte botes salva-vidas era pouco para tanta gente. Muitas mulheres sobreviveram ao naufrágio porque os homens lhes cediam lugar nos botes, assim como o faziam com as crianças, e optavam eles por morrer afogados em um ato de derradeiro cavalheirismo que jamais voltou a acontecer na história da humanidade. O capitão honrou a sua função, ficou no navio até ser engolfado pelo mar. O tripulante Alfred Evans, após salvar muitas crianças e mulheres, viu-se resgatado. Era dele a navalha que será leiloada, com a inscrição Oceanic 1911, nome do navio lançado ao mar um ano antes e com sucesso. E destaca-se também, entre os raros itens que irão à venda, um baralho de Patience, um lenço xadrez e cartões postais, objetos que foram propriedade de Elsie Bowerman. Ela salvou-se no mesmo bote de Margaret, pouco antes de a popa do Titanic desaparecer definitivamente em um afundar sem fim, até parar a três mil e oitocentos metros de profundidade, a seiscentos quilômetros ao leste da costa do Canadá. Lá, ele está até hoje. Morreram mil e quinhentas e vinte e três pessoas.Margaret Brow, a passageira que não gostara da frase do capitão, sobreviveu, e pertenceram a ela os principais itens que serão leiloados nos próximos dias: uma manta para se agasalhar no convés, com as iniciais da companhia White Star Line bordadas, e uma caixa que seu marido lhe deu, quando já em terra e salva, para guardar “coisas que lembrassem o Titanic”. Ela o escutou e o fez, sobretudo com documentos e cartas referentes ao ator Errol Flynn, galã do cinema no estilo capa e espada – em 1938 ele protagonizou As aventuras de Robin Hood e, em 1940, brilhou como ator central de Gavião do mar. Flynn não estava no Titanic. Margaret faleceu em 1932 como uma das principais líderes na luta pelos direitos civis das mulheres nos EUA e condecorada pelo governo francês com a medalha (cravejada de diamantes) da Legião de Honra “pelos esforços de caridade ao longo da Primeira Guerra Mundial”.

ÚLTIMO ADEUS Elsie Bowerman na foto ao alto e nessa que será leiloada junto com o baralho Patience, um lenço e diversos cartões postais. Ela compartilhou o bote salva-vidas com Margaret (Crédito:Divulgação)