22/07/2022 - 9:30
Integrante da velha guarda do MDB, Marcelo Castro integra a lista de caciques do partido que, capitaneados por Renan Calheiros, decidiram embarcar na campanha de Lula ainda no primeiro turno, embora a sigla tenha lançado Simone Tebet (MDB-MS) como candidata ao Palácio do Planalto. Para justificar a cristianização da senadora, o emedebista recorre aos números para defenestrar a candidatura da colega — no melhor desempenho em pesquisas até agora ela atingiu 4% das intenções de voto. “Ficou muito aquém do que nós esperávamos. A terceira via, para o bem ou para o mal, não colou na eleição de 2022”, avalia. Para além de sublinhar o pífio desempenho da parlamentar sul-mato-grossense na disputa, Castro pondera ser mais “seguro” buscar a eleição de Lula ainda no primeiro turno para afastar a chance de Jair Bolsonaro concretizar a ameaça de ruptura institucional e critica o avanço do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, sobre o TSE. “Ninguém ouve falar em militares se metendo nas eleições em países desenvolvidos do mundo. Esse negócio de Forças Armadas dando opinião nas eleições é coisa de republiqueta de bananas”, diz em entrevista à ISTOÉ.
A investida de Lula sobre o MDB tem sido criticada por parte dos dirigentes, que apontam para a possibilidade do fim de uma ponte para o segundo turno. A reação é proporcional?
É preciso haver compreensão. Não é uma ação do Lula em específico. Uma parte do partido, sobretudo das regiões Norte e Nordeste, onde ele tem grande projeção, está historicamente ligada ao ex-presidente. No caso do Piauí, por exemplo, temos uma aliança regional com o PT desde 2002. Neste ano, o candidato ao governo é petista e o vice, emedebista. Em 2018, fui eleito senador com Wellington Dias como candidato a governador. Fora isso, o Piauí é, arrisco dizer, o estado mais lulista do Brasil, porque, há quatro anos, a maior maioria conquistada por Haddad foi lá. Não é possível olhar apenas para a fotografia atual.
A candidatura de Simone foi conversada com todo mundo, quando a justificativa era a busca por uma candidatura viável. Eu, inclusive, participei do lançamento do projeto dela ao Planalto. Mas o nome de Simone está exposto há praticamente um ano e, nesse tempo todo, não cresceu, não pegou. Ficou muito aquém do que nós esperávamos. Realisticamente, estamos vendo que a eleição está muito polarizada. A cada dia que passa, polariza mais. A terceira via, para o bem ou para o mal, não colou na eleição de 2022.
A manutenção da aposta em Simone pode comprometer os resultados do MDB a nível estadual?
Todo partido quer ter um candidato à Presidência, mas é preciso que ele seja viável. Por que? Sendo viável, você, para além de ter a chance de ganhar a eleição, forma uma boa bancada no Congresso. Como? Seu candidato é competitivo, atrai a atenção da mídia, torna conhecido quem era desconhecido. Foi o caso de Bolsonaro. O PSL era um partido minúsculo, nanico e, com ele, tornou- se o segundo maior da Câmara à época. Mas, quando o candidato à Presidência não deslancha, como o Henrique Meirelles, em 2018, aquilo repercute nas bases e ele acaba sendo um peso para o partido, em vez de ser um fator de crescimento da sigla. A gente precisa levar isso em consideração.
A expectativa é de que Simone repita o desempenho
de Meirelles?
Ela deve oscilar entre 1% e 2%, se levarmos em consideração as atuais pesquisas. O MDB é um partido grande, que tem história, nome e tradição.
A Simone é uma ótima senadora. Vão apostar em um projeto que tem 1%? Qual a justificativa para isso?
A candidatura dela será contestada na convenção, marcada para quarta-feira, 27?
Buscamos o Michel Temer em São Paulo para que ele intercedesse junto ao Baleia Rossi pelo adiamento da convenção. A ideia era ampliar o diálogo interno e viabilizar a realização do evento de forma presencial, para que todos pudessem discursar e mostrar seu ponto de vista. Temer concordou, mas Baleia não aceitou. Agora, não creio que haja disposição de ninguém em protestar na convenção contra a candidatura de Simone e tentar inviabilizá-la. Se ela quiser mesmo, o partido vai homologar. Agora, é evidente que os 11 estados que manifestaram apoio a Lula — e outros dois que estão em vias de fazer o mesmo — não mudarão o ponto de vista e seguirão ao lado dele já no primeiro turno.
Existe a chance de Temer declarar apoio a Lula no primeiro turno?
Não chegamos a discutir isso com Temer. Mas, por óbvio, daqui para frente, todos nós vamos conversar e insistir para que o maior número possível de estados e lideranças declare apoio a Lula. No segundo turno, entendemos que a ampla maioria do MDB estará com ele, embora saibamos que existe um grupo no partido, formado sobretudo por nomes do Sul, que caminhará com Bolsonaro.
O MDB espera um papel de protagonismo em um eventual governo Lula?
Sim. Lula precisará compor maioria parlamentar e acredito que um partido como o MDB, que não está no governo e tem mantido posição de neutralidade, assim como o PSD, que se encontra na mesma situação, serão os preferenciais. Lula fez isso no passado e tende a repetir a estratégia no futuro. Ele deve fazer um governo de conciliação nacional, chamando todos à mesa, e retomar a estabilidade democrática, abalada pelas ameaças de Bolsonaro ao sistema eleitoral.
Lideranças têm convocado partidos e candidatos a se unirem em torno de Lula sob a justificativa de que, se a fatura for liquidada no primeiro turno, fica afastada a chance de contestação do resultado. O senhor concorda com a tática?
É o mais seguro. Meu pensamento — e não falo em nome do partido — é que, no primeiro turno, se Lula ganhar, ficaria muito mais difícil para Bolsonaro fazer o raciocínio de fraude eleitoral. Isso porque, junto a ele, seriam eleitos 27 governadores, 27 senadores, 513 deputados federais e deputados estaduais. As urnas foram fraudadas apenas na eleição dele e em outras não? Além disso, os próprios eleitos fariam um movimento nacional e internacional em nome da confiança nas urnas. Bolsonaro enfrentaria todo mundo? No segundo turno, por outro lado, ele teria maior facilidade em criar uma narrativa.
A repetição das ameaças de Bolsonaro preocupa?
Ele tornou o caso muito mais grave do que se poderia imaginar ao levar para a polêmica o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, que já fala em apuração paralela. Imagine isso: o TSE publica um resultado e as Forças Armadas, outro. O que vai acontecer? Vão invadir o STF e o TSE? Fechar o Congresso? É preocupante. A cartilha do Bolsonaro é a mesma do Trump — radicalismo, extremismo, pregação de que a eleição só vale se ele for eleito. Trump construiu essa narrativa ao longo do ano que antecedeu a eleição. É o mesmo que Bolsonaro faz aqui.
O general Paulo Sérgio era considerado comedido antes de assumir o comando da Defesa. Ele decepcionou?
Não o conheço bem para fazer essa avaliação, mas o processo do qual ele tem feito parte é um retrocesso muito grande. Ninguém ouve falar em militares se metendo nas eleições em países desenvolvidos e civilizados do mundo. Esse negócio de Forças Armadas dando opinião nas eleições é coisa de republiqueta de bananas. Isso envergonha o país, como no caso em que Bolsonaro fez na segunda-feira. Chamar dezenas de embaixadores de outros países para apresentar uma narrativa completamente desconectada da realidade, desacreditando as urnas do Brasil, é surreal. Ora, estamos passando para a opinião pública mundial uma imagem negativa do nosso sistema, quando deveríamos fazer o contrário. O sistema de votação do Brasil é o mais rápido, eficiente e seguro do mundo. Temos 26 anos de urnas e nunca foi comprovada nem sequer uma fraude.
A reunião com embaixadores foi o prenúncio do golpe?
Não tenho a menor dúvida de que Bolsonaro está caminhando para a tentativa de ruptura institucional. A questão é saber se ele terá força ou não.
À exceção de Arthur Lira, os presidentes de Poderes se manifestaram a respeito das declarações de Bolsonaro a embaixadores. O presidente da Câmara tem sido omisso na defesa da democracia?
Ele é aliado do Bolsonaro, mas essa não é a postura que se espera de um presidente de Poder. No Legislativo, há 513 deputados eleitos pela urna eletrônica que Bolsonaro tanto ataca. Não é próprio, adequado ou esperado que, diante de uma ameaça explícita como a feita por Bolsonaro e pelo ministro da Defesa, Lira ou qualquer outro fique calado. Todas as instituições precisam se manifestar em defesa da democracia. Empresários também. Pelo amor de Deus… Olha a luta que empreendemos para retomar a democracia e, pouco tempo depois, já estamos discutindo o risco da perda da estabilidade.
Como relator do Orçamento, existe espaço fiscal para manter o Auxílio Brasil de R$ 600 no ano que vem?
A questão social do Brasil, sobretudo no momento em que estamos vivendo, tem de ser encarada como prioridade absoluta e, assim, o orçamento precisa ser moldado a ela. As pessoas estão passando fome. É uma vergonha. Emprego, renda, programas habitacionais terão de ser incentivados.
À medida que o país for crescendo, famílias sairão do Bolsa Família e tocarão as vidas.
O que acha de Lula falar no fim do teto de gastos?
O teto tem sido contornado de forma recorrente. Sou favorável ao controle das despesas correntes, mas a regra não precisa necessariamente estar dentro da Constituição.
Os outros benefícios da PEC Kamikaze, como o vale de R$ 1 mil aos caminhoneiros, também seriam mantidos?
Não. O que vai mudar é a política da Petrobras, que hoje está centrada na paridade com preços internacionais do petróleo e acaba pesando no bolso do brasileiro.
A longo prazo, se Lula for eleito, existe chance de extinguir o orçamento secreto?
Nunca tratamos desse assunto com Lula. O orçamento não é secreto, já que os dados estão disponíveis. As emendas sempre existiram — e de uma maneira muito mais complicada do que hoje, em termos de transparência. Mas, de fato, há críticas sobre o valor que as emendas de relator alcançaram. Eu sou uma dessas vozes e, quando fui relator da resolução que tratou delas, propus um limite, que foi de
R$ 16,5 bilhões na ocasião.