Fãs de histórias em quadrinhos conhecem há tempos esse conceito. E o sucesso do grande vencedor do Oscar deste ano, o filme Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, ampliou a narrativa em multiverso para um público bem maior. Basicamente, nesse subgênero da ficção científica as pessoas vivem em várias dimensões paralelas, sendo cada uma diferente das outras em alguns aspectos. A possibilidade de uma versão de alguém interferir no andamento das coisas em outra dessas dimensões seria o mote para um bom roteirista de entretenimento.

A vida imita a ficção. Jair Bolsonaro, um sujeito que muitas vezes mais parece um personagem fictício do que uma pessoa real, transita com versatilidade em alguns universos paralelos. Um deles é regido pela impunidade. Um lugar no qual atos agressivos e insultantes, para não falar em crimes previstos na lei, não merecem punição, podem cair no esquecimento sem maiores implicâncias. Nessa dimensão, Bolsonaro volta de um curto exílio e é recebido nos braços do povo, falando à multidão logo depois de descer do avião. Com o mesmo sorriso, parte para motociatas pelo País, com animados apoiadores em duas rodas. Nesse mundo de fantasia, ele até preserva o cartão corporativo para pagar contas caríssimas da gangue.

Há outro Bolsonaro, e esse habita um universo em que existe uma oposição de extrema direita atuando de modo forte e organizado no Brasil. Nesse cenário, ele percorre o País como a sua grande voz, conduzindo seguidores em pressão contínua sobre o governo. Percorre todos os estados, lavando a tiracolo a mulher Michelle, no papel de um bibelô para atrair alguns babões. Ela parece tranquila no papel, mas uma versão diferente de Michelle está por aí em outra realidade paralela, uma na qual ela tem realmente ideias e relevância política.

E os Bolsonaros alternativos não param de surgir. Tem um que recriou a história do Brasil depois de 1964 e hoje é um político aposentado, coberto de glórias, vivendo muito bem das polpudas aposentadorias militares. Ele só tira o pijama para dar aulas sobre a jornada do governo militar no maior País da América Latina.

E há pelo menos mais um Bolsonaro nessas dimensões, um que não tira o pijama para nada, come pão com leite condensado na mesa do café sem usar pratinho, não lê um livro, conta piadas de teor politicamente incorreto e trata mulheres como lixo.

A coexistência dessas versões de Bolsonaro pode ser tranquila no mundo atual de percepção pouco apurada da realidade que o cerca. A questão é saber qual desses Bolsonaros paralelos irá depor em instâncias jurídicas para defender-se de crimes contra a sociedade.