A imagem policial mais esperada nos últimos anos nos EUA foi divulgada no último dia 24, quando o ex-presidente Donald Trump foi indiciado no condado de Fulton, na Geórgia (apresentou-se às autoridades policiais e foi liberado após pagar fiança, conforme as regras do país). No mugshot, a imagem icônica tirada nas delegacias de polícia, o ex-presidente pôde manter seu terno e gravata, dispensando a plaquinha que identifica o detento (seu número é P01135809).

O registro foi saboreado pelos que aguardam o acerto de contas do ex-mandatário com a Justiça após a tentativa de melar o resultado das eleições em 2020 e contrariou os trumpistas. Mesmo irritado, o ex-presidente foi pragmático, seguindo seu faro midiático. Transformou a fotografia em peça publicitária para arrecadar dinheiro para a campanha do próximo ano.

Meses antes do clique, artigos e charges que simulavam o close já pipocavam na mídia. Nos memes, ele apareceu fichado em ilustrações, comendo um hambúrguer ou bebendo Coca-Cola. Com a efetiva prisão, a imagem oficial viralizou.

Nas primeiras 24 horas, a cara emburrada do magnata teve 10 milhões de visualizações por hora no antigo Twitter (atual X). Uma semana depois, os fundos para a campanha tinham engordado mais de US$ 9 milhões.

A venda de canecas, adesivos, camisetas e coolers com seu rosto engordou as doações para a próxima candidatura, que vinham caindo desde julho.

Em 1881, foi o assassino do presidente James Garfield, Charles Julius Guiteau, que vendeu fotos autografadas para custear a própria defesa.

Mugshot, em tradução livre, significa retrato falado. Esse instantâneo que marca para sempre a vida dos presos norte-americanos nasceu nos primeiros anos do século XIX, com mais caráter de arte do que de ficha policial.

Acessórios, roupas e fotógrafos profissionais faziam parte do protocolo das primeiras imagens dos criminosos, o que pouco ajudava na identificação.

Foi com o criminologista Alphonse Bertillon, em 1882, que a ferramenta tomou seriedade, perdendo as alegorias e ganhando informações como medidas do corpo, e a opção frontal e lateral.

Donald Trump: imagem policial mais esperada nos últimos anos nos EUA 

Os mugshots passaram a identificar os suspeitos com precisão, bem como apresentá-los de forma natural, como chegavam à delegacia (com isso, artistas presos embriagados viraram um hit).

Com o tempo, o registro ficou a cargo dos próprios policiais e a postura assumida foi caracterizada como cold and hard (fria e dura), como disse o artista, fotógrafo e diretor de cinema George Seminara no livro Mug Shots: Celebrities Under Arrest, de 1996.

As novas determinações facilitaram o processo, mas não conseguiram tirar a subjetividade dos registros mais famosos. Ao longo do século XX, artistas e celebridades enquadradas foram burlando o sistema “careta”, natural ou intencionalmente.

Artistas

Estrelas de Hollywood, músicos e políticos passaram a usar como peça de publicidade as fotos em que aparecem desgrenhados e com uma placa oficial da polícia contendo seu número de prisioneiro.

Entre a ideia de projetar uma imagem de rebeldia e ativismo político, algumas imagens históricas seguem dissipando seu impacto até os dias de hoje.

Em frente às câmeras, a atriz Jane Fonda aproveitou a detenção por porte de remédios, entre outros motivos, para levantar os punhos contra a Guerra do Vietnã, enquanto o músico James Brown saía sempre sorrindo, talvez crente da comoção dos fãs que o livraria de acusações como posse de drogas e fuga em alta velocidade da polícia.

O mugshot do ex-jogador e ator O. J. Simpson levantou discussão racial ao virar capa da revista Time, enquanto um registro de Janis Joplin, de corpo inteiro, destacava os longos cabelos e roupas típicas da contracultura hippie.

Mais recentemente, o rosto do produtor de cinema Harvey Weinstein, condenado por estupro, passou a simbolizar a origem do movimento #Metoo.

A palavra “mug” acumula tantos significados quanto o número de réus que tiveram seus rostos propagados na história americana. Além de careta, otário e, como verbo, ter sentido de assaltar, está no dia a dia da população como a volumosa caneca de café.

É nos postos de estrada, nos restaurantes do tipo diner e também nas delegacias e prisões, como a que o ex-presidente esteve por 20 minutos antes de ser salvo pela fiança de US$ 200 mil, que o objeto aparece com frequência.

A caneca com o rosto de Trump, vendida por US$ 25, agora toma espaço na mesa de apoiadores do acusado de conspirar contra a democracia.

Republicanos contrários a ele também vestem a camisa da viralização: em painéis da Times Square e vídeos em canais de TV, a foto vem acompanhada das 91 acusações criminais que recaem sobre o ex-mandatário e de frases como “Ninguém está acima da lei”.

Trump não inventou o espetáculo midiático com seus problemas na Justiça, mas boa parte da população americana espera que ele inaugure uma nova tradição: a dos ex-presidentes que conhecem uma cela de prisão. Seu primeiro julgamento foi marcado para o dia 4 de março, um dia antes da “superterça”, marco importante da corrida presidencial do próximo ano.