24/09/2021 - 9:30
As iniciativas da área de cultura do governo Bolsonaro são escassas, mas já renderam pelo menos um thriller recheado de mistério. Trata-se da Casinha Games, nome de um suposto projeto que vai receber R$ 4,6 milhões do Fundo Nacional de Cultura (FNC). A transferência desse valor foi publicada na edição do dia 9 de setembro do Diário Oficial da União (DOU) e autorizada pela Secretaria Especial de Cultura, chefiada por Mario Frias e ligada ao Ministério do Turismo, do sanfoneiro Gilson Machado. O valor é praticamente igual a tudo o que esse fundo executou de seu orçamento no ano passado. O responsável pela execução do projeto é a Secretaria de Fomento, comandada pelo PM André Porciuncula, um bolsonarista de carteirinha. Como é comum, a publicação desrespeita as normas de transparência. No texto, não há nenhuma informação adicional sobre a tal Casinha Games.
A reportagem buscou referências sobre ela. No Portal da Transparência, não há qualquer tipo de informação relacionada a esse projeto, como, por exemplo, a pessoa ou empresa responsável por essa iniciativa. Vários empresários do segmento de games ouvidos por ISTOÉ admitiram total desconhecimento sobre a proposta. “Nunca ouvimos falar de Casinha Games. Não fazemos a mínima ideia do que isso seja”, afirmou Eliana Russi, gerente executiva da Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames). Não existe ainda qualquer tipo de registro de empresas com esse nome em lugar algum do Brasil, assim como um CNPJ, ou sequer um endereço.

O assunto “games”, no entanto, é algo muito caro ao filho 04 do presidente, Jair Renan, dono da Bolsonaro Jr Eventos e Mídia, localizada nas galerias do estádio Mané Garrincha, em Brasília. Renan tem usado a condição de filho do mandatário para ter acesso livre pela Esplanada dos Ministérios. Tanto que, em agosto do ano passado, ele conseguiu realizar uma reunião com Frias exatamente para tratar de jogos eletrônicos. Jair Renan é, inclusive, investigado pela Polícia Federal pela suspeita de praticar tráfico de influência. O secretário fez questão de publicar uma foto desse encontro em suas redes sociais: “Reunião com Jair Renan sobre o futuro do e-games”. Três pessoas que trabalhavam para a família Bolsonaro confidenciaram à reportagem que a Casinha Games é uma iniciativa de 04. Apresentaram as mesmas versões sobre o que ela seria. Eles apontam que a Casinha Games nada mais é do que uma “empresa de prateleira” – nome dado pelo clã a esse tipo de firma que eles costumam criar de última hora para captar dinheiro do governo, conforme suas próprias necessidades. Na prática, quando alguém do grupo precisa de recurso, a família se articula para garantir o empenho de verbas do orçamento de algum ministério da Esplanada. Uma vez que o dinheiro está reservado, o clã se mobiliza para a criação de um CNPJ que, na calada da noite, se torna o destinatário dessas verbas.
Lobistas
Jair Renan conta com a assessoria de Marconny Albernaz Faria, amigo apontado pela CPI da Covid como lobista da Precisa Medicamentos, investigada pela comissão. Um advogado que já foi muito próximo do mandatário disse que esse esquema é organizado durante reuniões e festas das quais 04 e Faria participam na casa de Karina. Ele revelou ainda que, neste caso, o objetivo seria usar os R$ 4,6 milhões destinados à Casinha Games para pagar a mansão para onde Jair Renan se mudou com sua mãe, Ana Cristina Valle, em junho deste ano. “Assim que a verba é empenhada, o 04 e sua mãe tiram a empresa da prateleira e pegam a verba. Eles pretendem quitar a casa financiada que compraram de um corretor laranja que tem um contrato de gaveta”, disse. “Esse é o modus operandi da família Bolsonaro”, afirmou. Ele citou outras empresas cujos nomes vieram a público recentemente e que guardam muitas semelhanças ao caso da Casinha Games, como o FIB Bank, suposto banco que seria o fiador da Precisa Medicamentos.
Desde que a informação sobre a Casinha Games foi publicada no Diário Oficial da União, Frias não deu nenhuma explicação consistente sobre o projeto. Em entrevista a um jornalista bolsonarista, recentemente, o secretário chegou a ser perguntado sobre o tema e apresentou uma série de argumentos sem fundamento. Afirmou que se trata de uma iniciativa da própria Secretaria, baseada na “capacitação técnica e profissionalizante de jovens de baixa renda”. “O projeto da Casinha Games nada mais é do que a vontade que a gente tem, porque ele ainda é um projeto, essa destinação de 4,6 milhões é algo que está previsto no nosso orçamento, como temos outros diversos projetos nesse mesmo orçamento”, afirmou Frias, sem dar, mais uma vez, detalhes de como ou quem vai desenvolver essa iniciativa. Questionada por ISTOÉ sobre isso, a pasta não se manifestou.