A coquetelaria brasileira não para de surpreender. De repente, um pequeno estabelecimento no coração da Vila Madalena, em São Paulo, salta aos olhos e passa a ser considerado o melhor bar do Brasil pelo ranking The World´s 100 best bars 2021 (Os 100 melhores bares do mundo em 2021).

O Tan Tan surgiu discretamente como restaurante e despontou como casa de drinques. Com forte influência japonesa e brasileira, conseguiu encontrar combinações equilibradas de bebidas, partindo do clássico e fazendo inovações. Nos últimos dias, diante do prêmio, o que se via no lugar eram mesas lotadas do lado de fora e pessoas sentadas no hall de espera ansiosas para serem chamadas para uma das cobiçadas mesas dispostas pelo salão.

Os oito lugares mais disputados — todos ocupados — eram as banquetas altas de madeira dispostas sob um balcão recheado de copos de diferentes tamanhos e simetrias. Por trás dele, três homens faziam mágicas, misturando diferentes tipos de frutas e bebidas alcoólicas. “A lista premia tendências, os trabalhos que se destacam e falam mais alto em seus países. Não esperava chegar tão longe, é muito gratificante ser reconhecido”, afirma Thiago Bañares, chef e proprietário do Tan Tan, que ficou na 87a posição no ranking.

RESPEITO AOS CLÁSSICOS Endless Love é releitura do famoso drinque Sex On the Beach (Crédito:Divulgação)

O restaurante, aberto em 2016 passou por uma grande reformulação em 2018, ano que Bañares considera determinante para essa entrada na lista dos melhores do planeta. Foi feita uma obra de expansão no lugar o que resultou num espelhamento entre o bar e a cozinha. Simbolicamente, a mesma quantidade de lugares dispostos para a gastronomia era destinada ao espaço dos drinques. “O bar ganhou a importância da cozinha. Ali sabíamos que éramos bons nas duas coisas”, afirma. Após o processo de expansão, Bañares convidou o amigo Alex Mesquita, químico, mixologista, que trouxe mais criatividade e ciência para coquetelaria do bar.

Nos últimos quinze anos, a arte de fazer drinques se consolidou no Brasil e já dá para falar de uma tradição. Mesquita se junta a bartenders como Márcio Silva, Spencer Júnior, Kennedy Nascimento, entre outros. Eles foram responsáveis não só por mudar a imagem dos profissionais de bares, como por aguçar o paladar dos clientes.

“O Brasil chegou num ponto comparável ao dos maiores mercados de coquetelaria do mundo” Kennedy Nascimento, bartender e embaixador da Johnnie Walker

Buscando um equilíbrio entre bons ingredientes, dosagem alcóolica e temperatura da bebida ao longo do consumo e, ao mesmo tempo, perseguindo sabores e sentidos culturais, os novos bares são ambiciosos nos seus discursos e nos seus objetivos. Falam em mudanças disruptivas e na importância do gelo na mistura, no seu necessário derretimento gradual e homogêneo. “O Brasil chegou num ponto comparável ao dos maiores mercados de coquetelaria do mundo, como Nova York e Londres”, diz Kennedy, o único brasileiro a ganhar o prêmio de melhor bartender do mundo no concurso Legends of London, na Inglaterra.

O carioca Alex Mesquita acredita que o Brasil pode ainda ditar as regras da coquetelaria mundial. “Se for pegar nossa história, temos o rabo de galo, bombeirinho, batida e quentão, mas não temos um marco como os EUA, com o Sazerac, o Negroni ou o Gin Tônica na taça balloon”, diz.

TÉCNICA Do teor de álcool até a temperatura ideal do copo: tudo é calculado (Crédito:Divulgação)

Pensando em fazer história, Mesquita construiu a carta de drinques do Tan Tan. Ele dividiu as mais de 30 famílias da coquetelaria e as separou entre as mais cítricas, amargas, doces e refrescantes. Apreciador dos grandes clássicos, aponta que o grande segredo está em suas releituras e nos pequenos detalhes da preparação delas. “Todas as minhas bebidas tem pouca diluição, não tem um teor muito alto de álcool, além de serem servidos com copos extremamente gelados, o que gera uma sensação deliciosa”, diz. “O cliente sabe quando ele está bebendo algo que não é autêntico.” A carta, aliás, foi atualizada pós-pandemia e tem novas criações, entre elas o Yuzu Martini (R$ 45) que leva gim, saquê e yuzu — tipo de limão siciliano japonês. Outro destaque é o Luma Affair (R$ 39), inspirado no Bombeirinho e feito com cachaça, xerez, limão e xarope de romã. E o Endless Love (R$ 36), releitura do famoso Sex On The Beach.

Não é de hoje que o Brasil brilha no ranking dos melhores bares do mundo e a trajetória da coquetelaria brasileira tem merecido aplausos. Antes da pandemia, em 2019, o País obteve a melhor classificação na lista. Entre os 100 melhores do mundo, havia três bares paulistanos: o Guilhotina, em 15º lugar, o Subastor, na 51ª posição e o antigo Frank Bar, comandado por Spencer Jr. e fechado na última semana junto com o Hotel Maksoud Plaza, na 96ª colocação. É a prova de que a atividade de bartender pode ser muito interessante. E o que antes era mais um malabarismo de garrafas, com pirotecnia e bizarrices, agora virou uma grande arte.