É possível contar nos dedos as personalidades chinesas que ousam se levantar contra o regime de seu país. A mais contundente entre elas é Ai Weiwei, um dos artistas plásticos mais populares da atualidade. Após promover sua agenda política por meio de obras polêmicas e instigantes, ele compartilha suas memórias na autobiografia 1000 Anos de Alegrias e Tristezas. No livro, reflete sobre o período em que ficou detido de forma arbitrária, sem acusação formal ou direito à defesa, em 2011, e explica como se tornou uma das vozes mais originais da arte contemporânea.

Na primeira parte, Weiwei volta à infância. Quando tinha dez anos, em 1967, Mao Tsé-tung lançou uma campanha para punir intelectuais que criticavam sua liderança. Ai Qing, pai de Weiwei e poeta da elite, foi exilado para o deserto gelado de Gurbantunggut, conhecido como “Pequena Sibéria”. Na juventude, assim que teve permissão para obter um visto, Weiwei foi para os EUA, onde teve contato com as serigrafias de Andy Warhol e os textos revolucionários do poeta beatnik Allen Ginsberg. Apaixonou-se tanto pelas esculturas de Auguste Rodin quanto pelas obras de Marcel Duchamp. Surgiu dessa improvável combinação de influências o talento que o levou a criar obras inovadoras e originais, inspiradas em temas como direitos humanos, o drama dos refugiados e a censura. Apesar de o governo de seu país ter impedido seu acesso às informações oficiais, dirigiu o documentário Coronation, sobre a pandemia.

MEMÓRIAS Com o pai, o poeta Ai Qing: exílio na “pequena Sibéria” (Crédito:Divulgação)

Com o sucesso internacional, Weiwei decidiu voltar à China. Montou um ateliê em Dashanzi 798, distrito que reúne a comunidade artística em Pequim. Com o avanço do capitalismo no país, no final dos anos 1990, acreditou que teria início uma nova era para a China, mais moderna e sem resquícios autoritários. Aceitou o convite do governo e, em parceria com o escritório de arquitetura suíço Herzog & de Meuron, inspirou-se na cerâmica chinesa para criar o projeto do estádio Ninho dos Pássaros, principal obra da Olimpíada de Pequim, em 2008. Mas a lua de mel durou pouco: após ver que o evento esportivo havia se tornado uma gigantesca peça de propaganda do regime, suas críticas voltaram. A represália veio em 2011, quando foi preso em um local secreto. A reação da comunidade internacional colocou pressão sobre a China, que o libertou depois de 81 dias. Uma foto feita com o celular, no momento exato da prisão, foi transformada em performance e se tornou um símbolo da luta contra a ditadura. O gesto confirmou o que o mundo da arte já sabia: a vida de Ai Weiwei não pode ser dissociada de sua obra.