Sobram evidências do quão conturbado vem sendo o processo de recenseamento da população brasileira, que deveria ter sido realizado em 2020. Adiado primeiramente por causa da pandemia de Covid 19, o Censo Demográfico era para ser retomado quando a coleta de dados em campo voltou a ser viável, o que ocorreu em 2021. Mas não foi isso que aconteceu: no meio do caminho havia o governo Bolsonaro com sua inépcia. O trabalho de campo dos recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), previsto para acabar em outubro do ano passado, ainda não foi concluído — o que põe em risco a qualidade dos dados e a confiabilidade do levantamento. O País segue num “apagão estatístico”, já que o censo é uma importante ferramenta para planejamento de políticas públicas e distribuição de recursos.

BASE Os dados do IBGE são fundamentais para que o governo possa definir políticas públicas (Crédito:Peu Ricardo)

Na quarta-feira 1, o ministro Ricardo Lewandovski, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou desconsiderar, para a distribuição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), os dados já disponíveis do censo de 2022. Como o levantamento ainda não foi concluído e as informações ainda estão incompletas, poderia haver prejuízo para boa parte dos municípios brasileiros.

A realização do levantamento a cada dez anos está prevista em lei, e como o último censo havia sido realizado em 2010, já era sabido que em 2020 deveria haver uma nova contagem da população. Mas, passada a pandemia, em 2021 o governo Bolsonaro decidiu por um novo adiamento, alegando falta de dinheiro. Ficaria por isso mesmo não fosse o STF: o então ministro Marco Aurélio Mello determinou a realização do censo, o que resultou na destinação de R$ 2,3 bilhões para o projeto em 2022 – quantia insuficiente para a tarefa, de acordo com o corpo técnico do instituto, que estimou um orçamento de R$ 3,1 bilhões. Ex-presidente do IBGE em 2021 e 2022, Eduardo Rios Neto nega falta de dinheiro, mas diz que, em meio a um mercado de trabalho “aquecido”, são escassos os trabalhadores dispostos a assumir as vagas temporárias abertas exclusivamente para o levantamento, cujos salários estão “aquém” do adequado.

“Foi um erro não alocar recursos suficientes para o trabalho de campo. O IBGE esteve submetido a uma tragédia anunciada” Pedro Luis do Nascimento Silva,
estatístico

Demora

“Se há menos pessoas em campo, o censo leva mais tempo para ser feito”, resume Pedro Luis do Nascimento Silva, que atuou como pesquisador da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. Para ele, o atraso na obtenção das informações é ruim — mas seria ainda pior interromper a coleta de dados. “Acredito que o IBGE está envidando todos os esforços para completar o censo com qualidade”.

Sobre a importância de dados estatísticos atualizados, ele lembra que o poder público e a iniciativa privada dependem do censo “para se informar sobre como vai o País”. “O censo, como produto de informação, alimenta uma quantidade imensa de serviços de distribuição de recursos públicos e também é central para a elaboração de políticas públicas, já que mapeia onde está a população que precisa ser atendida”. “Também é a partir desses dados que o mercado define, por exemplo, onde alocar novas lojas e como lidar com o fenômeno da dispersão do consumo”. As informações também são utilizadas para ajustes do sistema eleitoral.

HÁ VAGAS Salário pouco atrativo foi decisivo na baixa procura por vagas provisórias no recenseamento (Crédito:Ricardo Benichio)

Para o pesquisador, primeiro brasileiro a presidir o Instituto Internacional de Estatística, foi um erro não alocar recursos suficientes para o trabalho. “O IBGE esteve submetido a uma tragédia anunciada”. Ele destaca, entretanto, que o descaso do governo Bolsonaro com dados estatísticos se deu ainda em outras áreas. “Isso se manifestou na demissão do então diretor do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), quando foram divulgados os dados sobre o aumento do desmatamento, ou quando foram suprimidas as informações sobre o avanço da pandemia de Covid”, diz ele. “A agenda daqueles atores políticos era diferente; não era a agenda da promoção do estado de bem-estar da população”.