Parecem ter sido efêmeras as palavras do presidente Lula que, dias atrás, repreendeu ministros de seu governo por anunciarem, cada um por si, políticas públicas sem a coordenação e o aval do Palácio do Planalto. Se a mensagem de Lula chegou ao Ministério da Previdência, comandado por Carlos Lupi (PDT), caiu no vazio. Sem consultar o presidente ou a equipe econômica, a pasta de Lupi reduziu para valores, que segundo os bancos são impraticáveis, o teto de juros cobrados em empréstimos consignados a aposentados e pensionistas pelo INSS. Coube a Lula arcar com o desgaste político: a medida teve de ser revista e o governo tentou contornar o problema anunciando o aumento da taxa.

Ela fora reduzida pelo Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS) a pedido do próprio Lupi: caíra de 2,14% para 1,7%. A intempestividade ministerial deixou demonstrado o quanto é de fato necessário o alinhamento com o Planalto – a prerrogativa é dele, não de ministros isoladamente. Com o anúncio, bancos privados alegaram que o novo índice era insustentável. Na sequência, no mesmo sentido a reação veio dos bancos públicos: Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. A Caixa argumentou que o teto de 1,7% é um “patamar inferior ao que o banco já pratica, sendo a menor taxa do mercado”. Já o BB informou que realiza estudos técnicos sobre a viabilidade econômico-financeira e operacional do novo índice.

Quem entrou na história para tentar resolver o impasse criado pelo voluntarioso Lupi foi a Federação Brasileira de Bancos (Febraban). O presidente da entidade, Isaac Sidney, disse que o patamar fixado em 1,7% “não atende a estrutura de custo dos bancos” – aí incluídos Caixa e BB. Sidney discutiu o assunto no Ministério da Fazenda com Gabriel Galípolo, secretário-executivo da pasta. A taxa deve ficar entre 1,9% e 2%. “O Lupi anuncia uma coisa que poderia ser completamente boa e cria um clima de insatisfação nos bancos”, disse Lula. “Era preciso ter feito um acerto para anunciar uma medida que envolvesse a Fazenda e os bancos públicos e privados”. Para Joelson Sampaio, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), situações como essa têm potencial para “gerar ruído no mercado” – na verdade, quando Lula está no poder, o mercado torna-se bem mais sensível a ruídos. Ainda segundo Sampaio, o risco é o de colocar em xeque a estabilidade e a previsibilidade desejadas. “Nesse caso específico, não houve um forte impacto na economia, um estrago, porque estamos falando de evento pontual”, diz ele. A consequência, segundo o pesquisador, foi que a medida não alcançou o seu objetivo, que era o de auxiliar as pessoas que mais precisam da redução de juros. “Erros como esse não podem ser recorrentes”, destaca Sampaio.

“Era preciso um acordo para medida que envolveria bancos e a Fazenda”
Joelson Sampaio, economista da FGV

Se cada ministro decidir, por conta própria, jogar sozinho para a torcida sem a devida consultoria técnica e consulta a todas as partes na feitura de novas medidas, o Planalto é que ficará desacreditado com o inevitável vaivém de anúncios polêmicos seguidos de correção. “Isso tudo vai desgastando o governo, e aí os agentes econômicos, assim como os investidores, vão exigir cada vez mais retorno por conta dos riscos”, explica o economista. “O que aconteceu foi algo que poderia ter sido evitado se tivesse havido um alinhamento interno entre Lupi e a equipe econômica. Acabou resultando em um desgaste político desnecessário, o que pode gerar insegurança e desconforto em relação a ações futuras do governo”. No caso específico do consignado, vale lembrar que Lupi é reincidente na dissonância com o poder central. Logo na primeira semana de gestão, ele foi desautorizado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, depois de anunciar, à revelia do Palácio, a formação de uma comissão para rever alguns pontos da Reforma da Previdência aprovada em 2019. Na ocasião, o anúncio, desmentido por Costa, fez a bolsa recuar e o dólar disparar.

FILA ETERNA Agência do INSS: o mercado sempre fica muito sensível quando o governo tenta cuidar do andar de baixo (Crédito: Rivaldo Gomes)

“Não queremos propostas de ministros, mas de governo”, avisou o presidente Lula à área social. “Qualquer ‘genialidade’ que alguém possa ter, antes tem de passar pela Casa Civil para ser discutida com a Presidência da República”. Na ocasião, a fala foi percebida como um recado a Márcio França, titular da Secretaria dos Portos e Aeroportos. Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, França havia prometido passagens aéreas a R$ 200,00 para aposentados, estudantes e servidores públicos a partir da ocupação de assentos ociosos em voos de carreira. “Por mais que a ideia seja boa, é preciso pactuar com outros ministérios”, reforçou Costa. Em outras palavras, o que ele quis dizer é que se cada ministro quiser ser pai dos pobres individualmente, os pobres acabarão órfãos. Os primeiros cem dias do governo Lula se avizinham. Embora seja uma data mais simbólica para qualquer gestão, porque pouco se consegue realizar de fato nesse exíguo espaço de tempo, Lula podia aproveitar a ocasião e fazer algo de bem prático internamente: enquadrar os ministros e colocar ordem em quem fala o quê.