06/05/2022 - 9:30

Dois artistas geniais, mas com visões criativas opostas, são capazes de trabalhar juntos? Um empreendimento de luxo em São Paulo é a prova de que sim, isso é possível. O complexo Cidade Matarazzo, idealizado pelo empresário Alex Allard, reuniu em um projeto revolucionário os franceses Jean Nouvel e Philippe Starck, dois dos mais renomados arquitetos do mundo.
A dupla esteve essa semana no Brasil para o lançamento da Torre Mata Atlântica, que abriga o Rosewood São Paulo, seis estrelas que faz parte da Cidade Matarazzo e que foi anunciado como o hotel mais luxuoso da América Latina. A diferença entre os dois visionários franceses ficou clara em um seminário para estudantes de arquitetura. Nouvel defendeu a integração entre a cidade e a natureza, enquanto Starck pedia aos cidadãos urbanos que curtissem suas metrópoles e deixassem o meio ambiente em paz. Os dois divergiram também sobre a origem dos materiais utilizados em suas obras: se Nouvel exaltou o lado orgânico de seu trabalho, Starck não escondeu o apreço por produtos sintéticos, “criados pela tecnologia do homem”. Isso não impediu o designer de trabalhar somente com matérias-primas locais: 100% do que ele adotou no projeto é brasileiro.
Apesar dos pontos de vista contrários, a Cidade Matarrazo integra as duas visões de maneira surpreendente. A estrutura da Torre Mata Atlântica, a primeira de Nouvel no País, possui cerca de 250 árvores de até 14 metros de altura, uma grande floresta tropical que traz o verde para o coração da metrópole. Tudo que está dentro do prédio, no entanto, foi desenhado por Starck e viaja por outro caminho. Como é do seu estilo, a aposta é nos excessos e na presença bela e caótica de inúmeras referências multiculturais – dos azulejos da piscina, inspirados pelos mosaicos do espanhol Antoni Gaudí, ao inovador lobby do hotel, um ambiente sóbrio que mais parece uma biblioteca. O maior mérito aqui é mesmo do empreendedor Alex Allard, que transformou visões antagônicas em propostas complementares.
Vencedor do prêmio Pritzker em 2008, o Oscar da arquitetura, Jean Nouvel é considerado por muitos o maior arquiteto da atualidade. Com uma cabeça voltada para o urbanismo, diz que a explosão demográfica gerou um desenvolvimento urbano rápido e desorganizado. “São Paulo é um exemplo desse descontrole. O mundo tem hoje cidades muito parecidas, quando seria bem mais interessante respeitar a cultura local. A Torre Mata Atlântica não é composta apenas de árvores, mas de história. Devemos ser igualitários, mas não iguais”, afirma Nouvel. “É preciso demolir menos e restaurar mais. A arquitetura está sempre situada em um lugar que já existe e ela se define e se inventa a partir desse local.”
Já Phillipe Starck, famoso como designer de objetos, tem uma ideia mais fluída desse processo. Se Nouvel cria a partir de uma realidade existente, um realpolitik urbano, Starck é o rebelde romântico, um agent provocateur. Vive isolado com a mulher em Cascais, no litoral português, e diz que não frequenta museus, teatros ou cinemas. Para ele, que revolucionou o design por meio da democratização do acesso à arte, com peças de alta qualidade a preços mais baixos, a arquitetura precisa passar por uma disrupção conceitual, semelhante à que o empresário Elon Musk realizou na indústria automobilística. “A Tesla produziu carros elétricos inovadores porque optou por não seguir as regras estabelecidas pela indústria há décadas. Os profissionais do futuro têm a missão de criar moradias mais acessíveis, baratas e com alta tecnologia”, afirma. Em relação ao novo projeto brasileiro, erguido na área onde funcionava no passado o Hospital Matarazzo, Starck garante que o mais importante era “manter a alma” do local. “Nossa primeira preocupação era proteger essa história. Mais de um milhão de brasileiros nasceram nesse hospital. Queríamos, portanto, promover o renascimento de um lugar onde, antes, havia nascimentos. Fizemos isso com carinho, mas também com paixão e loucura.” Com o bem-sucedido casamento criativo de Nouvel e Starck, quem ganhou foi São Paulo.
