Idealizador do helicóptero, da metralhadora e do tanque de guerra séculos antes dessas máquinas serem inventadas, o cientista, escritor e pintor italiano Leonardo da Vinci (1452-1519) tornou-se objeto de pesquisa de seus visionários conterrâneos. O estudo da sua árvore genealógica, conduzido pelos historiadores italianos Alessandro Vezzosi e Agnese Sabato, descobriu que a família Da Vinci tem 14 descendentes diretos vivendo na região da Toscana, com idades entre um e 85 anos. Da Vinci não deixou filhos, mas esses parentes vêm de seus 22 meio-irmãos e irmãs. O projeto agora pretende confirmar se os restos mortais que estão sepultados em uma igreja no interior da França são mesmo do gênio do Renascimento — o objetivo é reconstruir o DNA do próprio Leonardo.

A primeira etapa do estudo, que levou trinta anos, determinou a montagem da árvore genealógica da família Vinci, de 1331 até os dias atuais, pela linha paterna. O próximo passo é o seqüenciamento genético dos restos mortais de Leonardo, que será feito pelo Departamento de Biologia da Universidade de Florença, chefiado pelo professor David Caramelli.

“Descobrimos os descendentes diretos de Leonardo a partir dos cromossomos do irmão dele, Domenico” Agnese Sabato, historiadora

“Nossas longas pesquisas descobriram quais são os descendentes diretos de Leonardo em linha masculina a partir do irmão dele, Domenico da Vinci. Ambos têm o mesmo sobrenome e o mesmo cromossomo Y, que permaneceu inalterado nas 25 gerações seguintes. A partir dessas descobertas vamos iniciar a pesquisa genética para encontrar o DNA do Leonardo”, afirma a historiadora Agnese Sabato em entrevista à ISTOÉ. “É claro que existem outras pessoas na Itália e nas Américas que possuem o sobrenome Vinci, mas elas não pertencem, necessariamente, à mesma linhagem”, explica. Agnese e Vezzosi foram capazes de confirmar os resultados ao confrontá-los com “linhas genealógicas coerentes” de outros ramos da família. “Não é um trabalho simples”, alerta.

De volta a 1331 

Os pesquisadores já conseguiram mapear 25 gerações dos Vinci, relacionados a cinco ramos da família. O primeiro a ser identificado foi Michele (Miguel) da Vinci, nascido em 1331. Michele foi o tataravô paterno de Leonardo e a primeira pessoa a apresentar o sobrenome. Já o pai de Leonardo, Piero, era um advogado e notário nascido em Florença. Prolífico, ele teve um total de 23 filhos — grande parte nascida fora do casamento, como era comum na época. Um deles era Leonardo, cuja mãe era a camponesa Caterina Lippi. Ela tinha 16 anos quando ficou grávida do futuro pintor. A pesquisa genealógica foi publicada pela primeira vez em 4 de julho no jornal “Human Evolution”.

Durante um período que pode levar entre seis e doze meses, os cromossomos Y identificados nos 14 descendentes vivos da família Vinci serão verificados e comparados ao material genético de Domenico da Vinci. Pesquisas realizadas em 2016 chegaram a identificar 35 descendentes vivos de Leonardo da Vinci, a maioria deles indiretos e da linha materna. O mais conhecido era o cineasta Franco Zeffirelli (1923-2019), diretor de filmes como “Irmão Sol, Irmã Lua” e “Amor Sem Fim”.

Autor de obras eternas como A Última Ceia, Mona Lisa (La Gioconda), Retrato de Cecilia Gallerani e do desenho Homem Vitruviano, entre outras, Leonardo da Vinci era conhecido até o século passado principalmente como pintor. O exame de todos os manuscritos e cadernos do polímata italiano, no último século, levou ao reconhecimento de que ele foi também um grande cientista, inventor e matemático. Isso passou a ser comprovado inclusive pelo uso da matemática e de uma perspectiva muito acurada nos seus quadros. Leonardo viveu e trabalhou em Florença, Milão, Veneza, Roma e, nos últimos três anos de sua vida, na França, onde conviveu e foi amigo do rei Francisco I.

Da Vinci foi um dos primeiros cientistas a operar pelo método da verificação empírica direta dos fenômenos da natureza. Desde a infância, era muito ligado com a vida no campo. “Leonardo foi um personagem muito complexo como artista e cientista. É impossível separar os ramos do seu trabalho e, por isso, será muito importante descobrir os aspectos físicos desse personagem extraordinário”, diz a historiadora Sabato. O seqüenciamento genético dos restos mortais do italiano certamente esclarecerá mais aspectos sobre a sua genialidade, que ainda hoje fascina milhões de pessoas.