Decepcionou-se quem acreditava que o discurso agressivo recheado de mentiras, racismo, misoginia e distorções históricas seria rechaçado nas eleições americanas deste ano. Candidato a reeleição pelo partido Republicano, o presidente Donald Trump tem chances reais de vitória. Ele entende que essa retórica dá certo e é o que uma parcela estratégica do eleitorado quer ouvir. Por isso, reafirma sua tática de ataques ao adversário Joe Biden, ao Partido Democrata e ao maior desafeto pessoal, o antecessor Barack Obama. Joe Biden, ao contrário, aposta no cansaço da sociedade americana com o discurso de ódio. Apresenta-se como um conciliador, um pacificador em tempos de polarização. Ao invés de apoiar incondicionalmente os policiais, que têm sua ação cada vez mais questionada, o democrata reforça seus laços históricos com os negros e exalta a diversidade cultural e racial da sociedade americana. Também tentar transformar a divisão do seu partido, demonstrada à exaustão no início do ano. Apresenta-se como uma ponte entre a velha geração e as lideranças do futuro.

Patrick Semansky

Tudo tem a ver com cálculo político. Trump tem a máquina governamental a seu favor. Ele percebeu que colocar-se frontalmente contra o movimento Black Lives Matter, retratado como um bando de baderneiros e saqueadores violentos, lhe dá votos. Acredita que é necessário retomar o discurso da “lei e ordem”, como fez Richard Nixon em outro período turbulento da história americana, para ganhar o apoio da maioria silenciosa. Em sua cruzada, não hesitou em utilizar a sede do governo como cenário durante a Convenção Republicana. Para Sebastião Carlos Velasco e Cruz, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, cometeu prevaricação. “A Casa Branca foi usada para ato do partido Republicano, o que é um absurdo”, diz.

Biden, um moderado que triunfou sobre radicais de esquerda em seu partido, tem conseguido avançar em Estados cruciais do Meio-Oeste como Michigan, Pensilvânia e Wisconsin. São regiões representadas por um eleitorado branco e rural, que favoreceu o atual presidente. Além disso, conta com os votos dos afrodescendentes, que normalmente dão 85% dos votos ao Partido Democrata. As manifestações antirracistas que tomaram conta do País fortalecem esse prognóstico. Em relação à população latina, o quadro é parecido, já que 65% desses eleitores votam nos democratas e também são alvo das agressões presidenciais. Trump não conta em reverter esses percentuais, nem precisa vencer na contagem final dos votos, como já ocorreu em 2016. Deseja vencer nos estados-chave.
estados decisivos.

Um dos “swing states”, Estados que oscilam entre os dois grandes partidos e serão decisivos na eleição, é a Flórida. Lá, há 2% de indecisos. O número parece pequeno, mas se for conquistado pode dar o voto de todos delegados do estado ao vencedor. Nos EUA, a eleição é indireta, decidida quando um candidato conquista a maioria do Colégio Eleitoral — que terá 538 votos. O candidato que chegar a 270 vence. A Flórida, especificamente, tem uma votação flutuante, segundo Lucas Leite, professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado. “Os eleitores latinos não votam de forma homogênea”, diz. O professor acredita que a tática democrata é engajar a população para comparecer no dia da eleição, ou então votar antecipadamente. “Os democratas encorajam o voto pelo correio”, afirma. Nos EUA, o voto não é obrigatório, o processo eleitoral começa mais cedo e dura mais tempo. Percebendo esse risco, Trump tem divulgado a “ameaça de fraude” nas eleições pelo correio. Chegou a estimular as pessoas a mandaram várias cédulas para comprovar a possibilidade de fraude — o que seria um crime. Na reta final, o desespero parece atingir especialmente o atual mandatário. Atingido em cheio pela pandemia, que derrubou a economia, ele tenta antecipar o lançamento de uma vacina. Seria uma “fórmula milagrosa” para vencer as eleições, denunciam os críticos e a comunidade científica.

A menos de oito semanas do pleito, Trump teme uma derrota e denuncia, sem evidências, a possibilidade de fraude nos votos pelo correio