Nem parece que se passaram 50 anos. O ator Renato Borghi diz que irá tremer quando adentrar o palco giratório da peça “O Rei da Vela”, de Oswald de Andrade, na montagem do diretor José Celso Martinez Corrêa, e dar início à “chanchada trágica’ envolvida pelos cenários e figurinos multicoloridos e carnavalescos de Hélio Eichbauer. Borghi faz novamente o papel do patriarca Abelardo I, o agiota que não enxerga freios morais na busca do poder. “A responsabilidade é maior hoje que na época da ditadura”, afirma Borghi. “Receio ser atacado por grupos radicais.” José Celso concorda: “Podemos ser agredidos como fomos nos anos 60. Mas, como disse recentemente Fernanda Montenegro, nós, artistas, temos que estar à frente da transformação e nos desacovardar”. Para Hélio, a peça está mais incômoda do que há 50 anos. “Em 1967, os personagens espinafrados em palco eram entidades abstratas”, diz Hélio. “Hoje, eles povoam nossa vida diária.”

Oficina em risco

Os três se mostram hiperexcitados e não aparentam ter 80 (Borghi e José Celso) e 76 anos (Hélio). Eles são remanescentes da montagem que desencadeou o movimento tropicalista logo que estreou, em 29 de setembro de 1967, no teatro Oficina de São Paulo. A mesma montagem será reprisada a partir do dia 21 no teatro Paulo Autran no Sesc Pinheiros, durante pelo menos um mês e uma semana. “Será uma reprise sem saudosismo”, diz José Celso. “Agora ela terá um efeito mais virulento.” Borghi reclama que já não tem 30 anos: “Não posso mais saltar sobre mesas e cadeiras feito arlequim. Agora sou um cyborg: minha coluna agora é feita de chapa de metal. Hoje só me apoio no texto”.

AGORA E ONTEM Renato Borghi (no topo) como Abelardo I hoje, aos 80 anos, e na estreia da peça, aos 30: ele teme protestos conservadores

José Celso e Borghi enfrentam o desafio no palco e fora dele. A dupla fundou a companhia Uzyna Uzona naquele local, no bairro do Bixiga, em 1963. Romperam, reataram e continuam a lutar para salvar o teatro. Há 30 anos, o prédio histórico do teatro Oficina tem sido ameaçado de demolição, por pressão do grupo Silvio Santos. “Estou cansado”, diz José Celso. “Já não posso fazer ginástica porque estou envolvido tanto na peça como na luta para manter o teatro de pé.” O prédio foi tombado pelo Estado. Mas Silvio Santos questiona a reconstrução do prédio em 1993, segundo o projeto de Lina Bo Bardi, fato que inviabilizaria o tombamento, pois o projeto objeto do tombamento era de Flávio Império. “Silvio Santos é o atual Rei da Vela”, diz José Celso. Ele vê a peça como um pivô de retomada e resistência democrática.

“O texto de Oswald se converteu na sátira do reinado do vício e do baixo clero que vivemos hoje”, diz. “A plateia vai reagir como nós: vamos todos nos desacovardar.”