11/11/2016 - 18:00
No bairro do Queens, subúrbio de Nova York onde o próximo mandatário americano nasceu, um jovem de sobrenome Trump foi preso por envolvimento numa briga generalizada entre apoiadores do fascista italiano Benito Mussolini e membros do bando racista Ku Klux Klan. Aquele Trump, que acabou encarcerado vestindo as roupas brancas características do Klan, chamava-se Fred e é pai do presidente eleito na semana passada. A história, que se passou em 1927, pode ser considerada o prenúncio do ideário da família que, quase um século depois, se tornaria a mais poderosa dos Estados Unidos. “Primeiramente, quero agradecer meus pais, que estão olhando para mim do céu”, disse Trump em seu discurso de posse. “Pessoas maravilhosas. Eu aprendi muito com eles.” O presidente pode mesmo ter aprendido a ser preconceituoso com Fred, que discriminava negros em seus empreendimentos imobiliários, prática que Donald não abandonaria depois de assumir os negócios, em meados dos anos 1970. Outras de suas marcas pessoais, o ódio aos imigrantes, o autoritarismo, o narcisismo e a teimosia, foram forjadas nas mesmas ruas de onde o pai do magnata foi levado para a cadeia. “Donald Trump é um homem de 70 anos preso nas emoções de um garoto de 13 anos”, afirmou David Cay Johnston, que escreveu um livro sobre o empresário, em entrevista recente à ISTOÉ. “Sua inteligência emocional parou naquela época.”
Conflito racial
O Queens é hoje um caldeirão cultural – a casa onde Trump cresceu está agora ocupada por um casal de indianos. Verdadeiro retrato do cosmopolitismo novaiorquino, a vizinhança é conhecida pela mistura de raças e nacionalidades. Durante os primeiros anos de vida do presidente eleito, o cenário era bem diferente. Outras áreas próximas ficaram conhecidas como zonas negras, irlandesas, gregas, judaicas e assim por diante. Décadas atrás, o enclave de Trump era considerado o bairro dos privilegiados, habitado por brancos ricos. A redondeza do casarão de Trump estava, de certa forma, protegida dos pobres e estrangeiros que a circundavam. Diante disso, é de se perguntar se as tensões raciais do Queens podem ter ajudado a moldar o pensamento do homem cuja maior plataforma é construir um muro na fronteira com o México.

Nas ruas do bairro, Trump já dava sinais de outras marcas registradas que duraram até a vida adulta. Vizinhos se lembram de que ele costumava jogar pedras em outras crianças, além de vários outros atos de bullying descritos por seus contemporâneos. Os conhecidos, inclusive os amigos, lembram-se dele como o maior encrenqueiro da escola. Mais rico e mais alto que os demais, já então ele usava sua posição para demarcar poder e autoridade. Também era teimoso como uma porta, afirmam os que conviviam com ele. Como ocorre atualmente, Trump não admitia nunca que estava errado, a despeito de qualquer obviedade. Numa biografia recente, um colega lembrou que o empresário costumava confundir o nome do lutador Antonino Rocca, chamando-o de Rocky Antonino. “Nós ríamos dele e dizíamos que ele estava enganado, mas ele insistia que estava certo. Tempos depois ele repetia o erro, e o mesmo acontecia de novo.”
Nascido em 1946, Trump é o exemplar perfeito da geração baby-boom, considerada por especialistas como uma das mais egoístas e narcisistas de todos os tempos. Aos 13 anos, o mau comportamento do futuro presidente fez o pai matriculá-lo na Academia Militar de Nova York. A nova realidade controlou seus impulsos mais destrutivos, mas canalizou sua competitividade, que se transformou depois em grandiloquência, se não megalomania. Ele se extasiava com a competitividade local, que premiava até as tarefas mais comezinhas, como a organização das gavetas e o brilho dos sapatos. Trump queria vencer tudo. Hoje, acima de todo o resto, ele se considera um vencedor, apesar de sua constante autoafirmação (de que é uma pessoa muito inteligente, por exemplo) deixar claro que no fundo ele tem dúvidas da própria capacidade.
Maior influência de Trump, seu pai foi preso no bairro após se
envolver em uma briga como membro do grupo racista Ku Klux Klan
As características foram se acentuando à medida que Trump envelhecia. O próprio empresário e sua mulher, Melania, admitem que ele é um “crianção”. Ambos encaram a declaração no bom sentido, mas o lado sombrio dessa infantilização também se faz mostrar. Como um adolescente querendo se gabar do que não fez, chegou a inventar relacionamentos inexistentes com símbolos sexuais como a cantora Madonna, a atriz Kim Basinger e a ex-primeira-dama francesa Carla Bruni. Duas delas ele nunca conheceu e Carla Bruni o denunciou como um lunático. “Esse não é um garoto de 13 anos dizendo que uma garota deixou que ele colocasse as mãos no sutiã dela”, afirma Johnston. “Ele é um homem crescido, em seus 40 e 60 anos, espalhando histórias sobre seus casos imaginários e conseguindo cobertura de imprensa sobre isso.”
Fotos: Barton Silverman/The New York Times; Eduardo Munoz/Reuters