21/10/2022 - 9:30
A aparição de Sergio Moro como coach de Jair Bolsonaro no debate presidencial do último dia 16 não foi apenas uma reviravolta na já acidentada carreira política do ex-juiz. O episódio sinaliza que o senador eleito pelo Paraná abandonou de vez a condição de “reserva moral” do País e foi instrumentalizado definitivamente por Bolsonaro, de quem se tornará apenas figura acessória.
Algumas movimentações, deve-se conceder, fazem parte do jogo político. As acusações de incoerência e oportunismo político, por exemplo, devem ser relativizadas. Afinal, o atual vice de Lula, Geraldo Alckmin, mudou de lado mesmo tendo sido um crítico feroz do petista ao longo de décadas. O caso do ex-juiz, diferentemente, tem mais a ver com a imagem que projeta e com os fundamentos de sua mensagem política.
Para lembrar: Moro abandonou uma bem-sucedida carreira no Judiciário, quanto se notabilizou na Lava Jato, para assumir o Ministério da Justiça do governo Bolsonaro, em 2019. Com isso, municiou os críticos que o acusavam de parcialidade na operação. Essa adesão foi responsável por acusações de viés político nos inquéritos. Fragilizou todo o processo, com influência até maior do que o ataque hacker que expôs a comunicação do então juiz com os procuradores durante as investigações. As condenações contra Lula, o principal alvo, foram anuladas por argumentos técnicos, mas a conversão de Moro certamente ajudou a fazer ruir todo o arcabouço acusatório.

No governo, logo ficou claro que a agenda anticorrupção de Moro seria rifada por Bolsonaro. No Congresso, igualmente, o ex-juiz não teve apoio do presidente, nem dos aliados do governo, e praticamente todas as suas pautas foram rejeitadas – a começar do fim do foro privilegiado, do qual a família Bolsonaro depende para evitar investigações que ameacem o clã. Moro foi humilhado no episódio da sua demissão, quando caiu acusando Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal.
Depois de uma breve passagem na iniciativa privada, no exterior, o ex-juiz resolveu voltar ao País para concorrer à Presidência embalado pela fama de incorruptível. Filiou-se ao Podemos, do aliado de primeira hora Alvaro Dias, para abandonar a legenda de forma intempestiva e transferir-se para o União Brasil. O novo partido lhe negou a candidatura para a Presidência. Depois, a transferência de domicílio eleitoral para São Paulo foi negada pela Justiça Eleitoral, o que o tornou um personagem regional. No Paraná, insistiu em concorrer ao Senado. A aposta se pagou. Moro venceu Dias, seu padrinho político, contrariando as pesquisas eleitorais.
Tendo assegurado oito anos no Senado, fica difícil entender esse novo cavalo de pau para voltar ao ninho bolsonarista. “Fazer a coisa certa agora é derrotar o Lula e o projeto de poder do PT e depois, como senador independente, trabalhar pelo Brasil”, anunciou Moro sobre essa reconversão bolsonarista. “Não tenho intenção de integrar o Poder Executivo, não fui convidado e nem me convidei para isso”, divulgou. Como o ex-juiz já virou um político profissional, as palavras não podem ser compradas pelo valor de face.
Se o presidente vencer as eleições no dia 30, Moro pode sonhar em voltar ao governo ou mesmo com uma indicação ao STF, que sempre foi sua ambição. Mas o histórico de Bolsonaro joga contra essa pretensão. Já ficou claro que o mandatário usou Moro no primeiro mandato como cortina de fumaça para entronizar o Procurador-Geral Augusto Aras, com o objetivo pouco disfarçado de desmontar a Lava Jato e aliviar o combate à corrupção, inclusive em órgãos como o Coaf. A chance de o chefe do Executivo indicar Moro para o Supremo é próxima de zero, numa análise generosa. Já o ex-juiz, integrando-se definitivamente ao bolosonarismo, perde qualquer aura de autonomia, endossando todos os malfeitos do atual governo. Não há “realpolitik” que sobreviva a isso.
No caso de Lula vencer, pode-se especular que Moro queira se abrigar em um grupo político forte, na oposição, já que é altamente impopular no Congresso, onde vários parlamentares foram julgados por ele e são seus inimigos figadais. Mas, dado que o governo Bolsonaro já ficou marcado pelas suspeitas de corrupção no MEC, na Saúde e no Codevasf, para não falar da caixa-preta do orçamento secreto ainda a ser revelada, o ex-juiz terá sua imagem associada definitivamente a tudo o que condenou em sua trajetória no Judiciário e mesmo no governo.
Isso não combina com a estatura necessária para uma eventual corrida presidencial, que seria uma das razões secretas para seu jogo errático. “Divergências tivemos algumas, mas nossas convergências são muito maiores”, disse Bolsonaro ao recepcionar novamente o ex-juiz. Para o mandatário, foi uma jogada de mestre. Para Moro, mais um passo em falso.