PAZ O imperador Kangxi, dos Qing: enquanto a Europa sucumbia a guerras internas, a dinastia promoveu 133 anos de estabilidade e união (Crédito:Divulgação)

Seria possível sintetizar uma sociedade de quatro mil anos em 624 páginas? O desafio proposto pelo historiador britânico Michael Wood alcança seu ambicioso objetivo em História da China – O Retrato da Civilização e de seu Povo. Fruto de inúmeras viagens e pesquisas com acesso a arquivos oficiais, a obra começa na Antiguidade, passa por todas as dinastias e chega à potência contemporânea concebida pelo líder Deng Xiaoping.

Como todo biógrafo – afinal, o livro é uma biografia sobre essa fascinante personagem, a China –, Wood é apaixonado pelo tema de sua análise. No prefácio, já justifican as extensas seções sobre personagens que lhe são caros. É o caso do peregrino budista Xuanzang, cuja jornada pela Índia deu início a um dos grandes intercâmbios culturais da humanidade; Cao Xueqin, o romancista mais querido dos chineses, que viveu no século 18; ou o poeta Du Fu, que sobreviveu aos horrores da rebelião An Lushan, em 757, e escreveu que “o País foi destruído, mas os rios e lagos permanecem”.

A geografia, aliás, exerce influência importante na trajetória do país, com seu norte frio e cinzento, com plantações de milho e trigo, e o sul, subtropical, perfeito para a cultura do arroz – ali foi encontrado o mais antigo do mundo, em 8000 a.C.

HISTÓRIA DA CHINA
Editora Crítica 624 págs.
Preço: R$ 119 (Crédito:Divulgação)

O livro de Wood nasceu de sua experiência como cineasta. À frente de produções para as redes públicas PBS (EUA) e BBC (Inglaterra), ele dirigiu, entre 2014 e 2017, uma série de documentários sobre a China. Em um país cujo regime mantém controle rígido sobre tudo, o material recebeu reação surpreendente da Xinhua, a agência oficial chinesa: “os filmes de Wood transcenderam as barreiras da etnia e da crença e trouxeram algo poderoso e comovente para a TV”. A força da narrativa é o enredo contado de forma linear, cronológica. Wood opta pelo formato porque crê que o Ocidente analisa a história como ascensão e queda de diferentes civilizações, enquanto a China se vê como um único povo que passou por “ciclos de ordem e desordem”. “O Partido Comunista replicou aspectos das dinastias Ming e Qing, e parte da cultura chinesa ainda está enraizada no passado profundo, como as atitudes em relação à família e aos ancestrais”, afirma Wood.

O livro elucida mistérios fascinantes do passado popular, como os detalhes sobre o funcionamento da plataforma astronômica Taosi, uma das descobertas arqueológicas mais importante do século. O local data do século 21 a.C. e servia para a observação dos movimentos do sol, da lua e das estrelas.

FASCÍNIO Michael Wood e Deng Xiaoping(abaixo): o britânico admira a potência que emergiu das ideias do líder chinês (Crédito:Frederick M. Brown)
Divulgação
MAUSOLÉU Guerreiros de Xi’an: esculturas de terracota, que representavam os exércitos do imperador Qin Shi Huang, foram descobertas em 1974 (Crédito:Divulgação)

A história da China começa, oficialmente, com as lendas do Rei Yu, monarca cujo sistema de drenagem construído após as enchentes do Rio Amarelo o tornaram o primeiro governante a ser lembrado posteriormente por suas obras. “Se não fosse por Yu, teríamos nos tornado peixes”, diz um ditado do século 6. O filho de Yu, Qi, foi o primeiro dos 29 reis da dinastia original dos Xia, fundada em 1900 a.C. Sucederam-lhes os Shang, período que durou cinco séculos e que foi marcado pelo surgimento de uma ideia duradoura: o rei que governava por virtude, ordenado pelo céu. O autor desse conceito, Confúncio, é até hoje a figura mais importante da história da China – ele unificou o país e encerrou um longo período de guerras.

Em meio à longa história de imperadores, Wood concentra boa parte do livro nos Ming, que governaram no século 14. É a dinastia responsável por diversas construções que resistem até hoje, da Cidade Proibida à Grande Muralha, do Templo do Céu à porcelana tradicional. No século 20, dois “plebeus” foram responsáveis pela força da China atual: Mao Tsé-tung, líder comunista responsável por desastres sociais, como a Grande Fome, a Revolução Cultural e a destruição da natureza em nome do progresso, e Deng Xiaoping, que promoveu uma política de “reforma e abertura” oposta ao comunismo, dando início a uma transformação social e econômica sem paralelo. “A ascensão da nova China é o maior fenômeno do nosso tempo e é a grande história desse último século”, afirma Wood – autor de um dos livros que nos ajudam a compreênde-la.