27/10/2022 - 17:30
Numa época em que a maioria dos filmes de sucesso traz como protagonistas super-herois fantásticos, é um alívio ver uma produção espetacular estrelada por um herói da vida real. Dirigido por Santiago Mitre e estrelado por Ricardo Darín, Argentina, 1985 (Amazon Prime) é um drama de tribunal que aborda a história de Julio César Strassera, o promotor que levou ao banco dos réus os generais da ditadura argentina, responsáveis pelo sequestro (inclusive de crianças), tortura e assassinato de milhares de pessoas entre 1976 e 1983.
Mesmo com suas famílias sob ameaça, Strassera e seu colega Luis Moreno Ocampo (interpretado por Peter Lanzani) não desistiram do desafio, que à época era visto quase como uma mera formalidade sem efeito real. Pois eles acreditaram que seria possível mobilizar a opinião pública e transformar um julgamento de aparências em uma cruzada contra o regime que deixara cicatrizes profundas na população.
Montaram uma equipe de jovens advogados, que colheram dezenas de depoimentos dos familiares das vítimas. Os relatos mais contundentes foram parar no tribunal. Casos de estupros e tortura contra civis eram comuns, assim como atrocidades contra grávidas e até crianças.
Dentre os testemunhos mais emocionantes, está o caso da jovem que deu à luz em uma viatura de polícia, vendada e com as mãos amarradas. Em outro episódio, um homem contou que os militares se serviam de chá enquanto o torturavam, como se aquela fosse apenas uma atividade normal do dia a dia.
Há ainda menções aos episódios em que os soldados e oficiais da aeronáutica simplesmente abriam as portas e jogavam os acusados de aviões, em pleno voo, para morrerem em alto mar sem que seus corpos pudessem ser encontrados. Para os brasileiros, que viveram situações semelhantes durante o regime militar que começou em 1964, a comparação é inevitável.
O filme foi aplaudido de pé em festivais pelo mundo e concorrerá como representante argentino ao Oscar de Filme Estrangeiro, em 2023. Além da dramática narrativa, sua força é a atuação de Dárin, o maior ator latino da atualidade. A forma contida de seu personagem, nas cenas de tensão familiar ou quando recebe o veredito de condenação dos militares, exige um talento que só um performer brilhante pode entregar.
O único pesar de Argentina, 1985 é que a história que o inspirou é real. Mas como diria Strassera ao final do julgamento, ela não termina com “Fim”, mas com “Nunca mais”.
