Aos 13 anos, João Doria Júnior começou a trabalhar numa agência de publicidade como office-boy para ajudar no sustento da família e porque desejava seguir os passos do pai, João Doria, deputado federal (PDC-BA), um publicitário renomado, mas que estava exilado em Paris após ter sido cassado pelo regime militar de 1964. Um ano depois, porém, sua vida virou de ponta-cabeça: o pai retornou empobrecido do exílio e sua mãe morreu de pneumonia. O garoto Doria, então, teve que desdobrar-se pelo bem-estar familiar. Ainda adolescente, graduou-se em comunicação e deu início a uma carreira de sucesso na área de comunicação, onde desenvolveu várias empresas que lhe renderam grande êxito financeiro. Mas só ganhar dinheiro não era sua meta. Ele também queria contribuir para o desenvolvimento de São Paulo e do Brasil. Foi assim que ele uniu toda a vasta experiência realizadora na iniciativa privada às boas práticas na gestão pública, onde alcançou uma trajetória meteórica. Num curto espaço de seis anos, foi eleito prefeito da capital paulistana (2017 a 2018) e governador do maior estado do País (2019 a 2022), com realizações elogiadas até pelos adversários.

A principal delas foi ter viabilizado a produção, no Instituto Butantan, da Coronavac, a primeira vacina contra a Covid aplicada no Brasil. Com o título de “o pai da vacina”, ele se credenciou para ser candidato a presidente da República e mostrava-se o mais preparado para o cargo, mas acabou sendo vítima de um verdadeiro massacre nas redes sociais patrocinado pelos políticos tradicionais, inclusive com traições até mesmo de seus correligionários, e teve que abandonar a candidatura e, por consequência, a vida pública. “A velha política se uniu para derrotar o João, que era um modelo de político moderno, empreendedor e gestor eficiente”, diz o jornalista Thales Guaracy, autor do livro “João Doria, o poder da transformação”, uma biografia que será lançada no próximo dia 27, em São Paulo, e que conta essas e outras histórias sobre as memórias do governador.

Guaracy, que também é cientista social, levou seis meses (de junho a novembro de 2022) ouvindo o ex-governador durante 20 sessões de entrevistas e conversando com outras 80 pessoas no seu entorno, incluindo adversários. “O livro é uma reportagem sobre a vida de um homem que desenvolveu mecanismos de trabalhos profissionais exemplares, onde fez enorme sucesso, replicando-os na gestão pública, marcada por resultados excepcionais”, diz. Embora comece narrando o discurso que Doria fez no dia 30 de junho do ano passado a um grupo de 50 colaboradores mais próximos na sede de seu comitê montado para a campanha presidencial, em São Paulo, quando anunciou a desistência de sua candidatura, a obra descreve, logo na sequência, os tempos mais difíceis de sua vida, como o exílio do pai e a morte da mãe. Eles acabaram por influir na sua personalidade.

Afinal, foram esses episódios que impulsionaram sua carreira profissional. Aproveitando a ligação familiar com Franco Montoro (foi o ex-governador que convidou seu pai a entrar para a política e a se eleger deputado federal), João foi nomeado para presidir, aos 21 anos, a Paulistur, na gestão de Mário Covas, e presidência da Embratur, aos 24. “Foi aí que João deu os primeiros passos na dobradinha de gestor e político. Além do trabalho nas estatais de turismo, Montoro convidou João para organizar os eventos das Diretas Já, destacando-se na área política. Mas logo ele abandonou tudo isso e voltou-se para a vida privada, especialmente no setor das comunicações, onde tornou-se um empresário de sucesso”, relata o escritor.

João fundou empresas de eventos e de publicidade com as quais fez história na comunicação brasileira. Aproveitou a época de expansão da economia nos anos 90 e criou o Grupo Lide, um modelo de negócios que não existe similar no mundo. “Como apresentava o programa ‘Sucesso’ na TV, no qual entrevistava os mais variados empresários, percebeu que os executivos não se falavam entre si e não discutiam seus problemas. Então, desenvolveu o Lide. Hoje, esse grupo tem milhares de associados, inclusive no exterior”, mostra Guaracy. Mas por volta dos anos 2000, João decidiu novamente colaborar com o debate político, filiou-se ao PSDB (2001), organizou o movimento “Cansei” (2007) e não tardou a enveredar-se na política novamente, para pôr em prática os sistemas de administração que aprendeu na vida privada. Em 2016 candidatou-se a prefeito de São Paulo e foi eleito, de forma inédita, ainda no primeiro turno. Depois, em 2018, elegeu-se governador de São Paulo. Tanto na Prefeitura como no governo do Estado, desenvolveu gestões transformadoras.

“Nesses seis anos na prefeitura e no governo fizemos gestões inovadoras, liberais, sociais e honestas”, disse João Doria à ISTOÉ ao destacar os momentos mais relevantes de sua biografia a ser lançada pela Editora Matrix. Ele explicou que suas administrações tiveram sucesso porque ele fez exatamente o que fazia nas suas empresas. “Sempre montei boas equipes. Em segundo lugar, nosso trabalho sempre foi pautado pela eficiência, competência e descentralização.” Doria revelou ainda que uma das receitas do sucesso foi adotar posturas de centro, evitando o populismo, tanto da extrema direita como da extrema esquerda. Mas optou, sobretudo, por trabalhar pelo bem-estar dos mais humildes e pensar no desenvolvimento econômico e social. “Fui o gestor que mais fez creches (200 delas na prefeitura) e mais escolas de tempo integral (1.200 no Estado). Como governador, mesmo atravessando o fechamento da pandemia, o estado cresceu 7,5% de 2019 a 2021, cinco vezes mais do que o Brasil, que só cresceu 1,5% no período”, garantiu. Além disso, deixou R$ 34 bilhões em caixa para o sucessor (Tarcísio de Freitas).

“Não desejo voltar à vida pública”

Apesar de todas as realizações, Doria não conseguiu disputar a Presidência. Foi transformado em inimigo número um por Bolsonaro, que usava impunemente suas redes sociais e o “gabinete do ódio” da Presidência para destruir sua reputação. E contou com os próprios correligionários para inviabilizar sua candidatura. “Retornei ao setor privado e não desejo voltar à vida pública, mas quero continuar ajudando São Paulo e o Brasil. Não saio frustrado, decepcionado ou com ódio no coração”, afirmou Doria. Guaracy, contudo, explica que sua obra literária traz uma reflexão. “Nem todos entram na política por dinheiro. João é um exemplo de que isso é possível. A velha política pensa mais no fundo eleitoral do que em prestar bons serviços à população e transformou a política num vale tudo, enxovalhando as pessoas que só querem fazer o bem. Temos que discutir até quando vamos continuar com políticos que não servem aos interesses públicos.”

Política e Coragem

Suamy Beydoun

Com o título acima, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu o prefácio da biografia de João Doria, lembrando que ele provou que o caminho para o progresso nem sem pre é o mais fácil. “Para fazer a grande política, é preciso coragem”, atributo que o ex-governador teve de sobra em sua trajetória.