Ela nega que seu partido, o Irmãos da Itália, tenha “fascistas infiltrados” e até proibiu correligionários de fazer a saudação romana do braço estendido para o alto, que remete ao nazismo. Mas é radical no discurso contra imigrantes, que deverá ser determinante na provável vitória da extrema direita nas eleições parlamentares de 25 de setembro, que indicarão o novo primeiro-ministro. Ainda condena vacinas, islâmicos, homossexuais e alianças com França e Alemanha. Mais que isso: é contra a União Europeia. Só não se mostra incisiva, nesse caso, porque a Itália tem direito a 191,5 bilhões de euros do total de 750 bilhões do fundo reservado para a reconstrução do continente no pós-pandemia. Ela é Giorgia Meloni, que imita o ex-presidente Donald Trump nas redes sociais e participa aos berros de comícios extremistas até na Espanha e na Polônia. E que também é amiga do ditador húngaro Viktor Orbán. Os seus aliados do bloco direitista, Matteo Salvini, da Liga, e Silvio Berlusconi, do Força Itália, são íntimos do presidente russo Vladimir Putin.

ANOS SOMBRIOS A Marcha de Roma, em 1922, organizada por Mussolini: partido de Giorgia Meloni se inspira no líder fascista (Crédito:Hulton Deutsch)

“Sou Giorgia. Sou mulher, sou mãe, sou italiana, sou cristã. Não vão me tirar isso”, afirma a deputada de 45 anos. Ela está na cena política do país desde os 15, quando passou a liderar a Frente Juvenil do Movimento Social Italiano, formado por fascistas após a Segunda Guerra. Com Ignazio la Russa e Guido Crosetto, Meloni fundou em 2014 o Irmãos da Itália – considerado uma evolução do MSI e que até mantém a chama tricolor do partido de Benito Mussolini nos anos 1930. Seu partido recebeu apenas 4% de votos nas eleições de 2018, mas agora lidera pesquisas para o pleito de setembro, caminhando para os 25%. Ela passou de dois milhões de seguidores no Facebook e está perto de um milhão no Instagram e no Twitter, onde coloca cenas de seu cotidiano familiar com Andrea Giambruno, o pai de sua filha Ginevra, de cinco anos.

Giorgia tem certeza de que será primeira-ministra. E pesquisas de diversos institutos atestam a possibilidade de ela ficar com a cadeira de Mario Draghi, o centrista que renunciou pela impossibilidade de governar depois do confronto com o Movimento 5 Estrelas. Para adversários, a derrocada armada pela coligação Irmãos de Itália, Liga e Força Itália, foi por ordem de Vladimir Putin. O presidente russo, de fato, se beneficiaria com o novo governo. O bloco da direita, contrário ao apoio à Ucrânia na guerra, deve somar ao menos 46% dos votos para o Parlamento. Como a indicação à chancelaria é do partido que fizer maioria, Meloni se prepara para virar premiê. E debocha do “espetáculo tragicômico” da centro-esquerda, como diz, que nem consegue se coligar.

Essa possibilidade provoca calafrios pela Europa. A terceira economia do continente ficar sob comando de Meloni pelos próximos cinco anos é um pesadelo para o presidente francês Emmanuel Macron, um quase-irmão de Mario Draghi, ex-presidente do Banco Europeu, tido como o grande responsável pelo equilíbrio econômico da Europa na pandemia e na guerra da Ucrânia — e agora alvo da deputada. Seria uma reviravolta no continente depois que os eleitores franceses se livraram de Marine Le Pen, outra ultrarradical de direita que chegou perto de ser eleita presidente. Mas o discurso de Giorgia Meloni contra imigrantes do Oriente Médio e da África, mesmo os desesperados que atravessam o Mediterrâneo em balsas precárias, rumo à ilha de Lampedusa, tem muito mais peso na Itália do que na França de Le Pen. A Europa precisa apertar os cintos com a turbulência que se anuncia pela frente.

Direita unida, esquerda rachada

Com dois meses de antecedência, a direita italiana já estava unida para garantir seu primeiro-ministro. O acordo entre Irmãos da Itália, de Giorgia Meloni; Liga, de Matteo Salvini, e Força Itália, de Silvio Berlusconi, determina que a indicação do nome será do partido com mais votos em 25 de setembro. Daí o favoritismo de Meloni: o Irmãos tem 24% das intenções de voto mais 14% da Liga e 8% do Força (este mês, a direita soma 46% na preferência dos eleitores).

Livio Anticoli/Pool/Insidefoto/Mondadori Portfolio via Getty Images;FILIPPO MONTEFORTE

A derrota da esquerda parece irreversível. O Partido Democrático de Enrico Letta tem 23% das intenções de voto, mas o bloco precisaria unir vários partidos menos expressivos para tentar se opor à direita e ainda contar com o Ação, que entrou e desistiu da aliança em menos de uma semana. Seu líder, Carlo Calenda, tirou o partido sob a justificativa da entrada da Esquerda Italiana, de Nicola Fratoianni, e da Europa Verde, de Ângelo Bonelli, com quem bate boca pelo Twitter, e ainda do Empenho Cívico, de Luigi di Maio, dissidente do Movimento 5 Estrelas.