Os mármores do Partenon tomarão, em breve, o caminho de casa. Desde o começo do século XIX, 75 metros de frisos, 15 painéis e 17 esculturas do templo construído em homenagem à Atena repousam a mais de 2.000 quilômetros da capital grega, no British Museum, em Londres. A polêmica sobre a volta das relíquias para seu lugar de origem já leva 200 anos, mas especulações recentes sobre um possível acordo entre os dois países apontam para o fim dessa tragédia cultural. O destino das peças seria o Acropolis Museum, fundado em 2009, em Atenas, exatamente para receber os tesouros do Partenon.

100 figuras retratam humanos, deuses e seres mitológicos

Lapidadas por Fídias, no século 5 a.C., as esculturas ficaram conhecidas no mundo como “Mármores de Elgin”, carregando o nome do embaixador do Império Otomano responsável por usurpar as esculturas, em 1806. Se antes a justificativa de proteger as obras da destruição fazia sentido, hoje o tema da repatriação faz parte da reapropriação cultural da identidade grega. “A ideia de que se deve preservar seu patrimônio é difundida universalmente. Os países têm condições de preservar sua própria cultura material”, diz Félix Jácome, professor de Língua e Literatura Grega da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

As controvérsias sobre a aquisição das peças vão além: depois de saqueadas, as obras foram vendidas pelo conde ao museu de Londres, para pagar uma dívida pessoal. “Os museus europeus estão entendendo que a maioria dos seus acervos foram obtidos de maneira ilegal”, diz o historiador Maurício Luiz Bertola, pesquisador do Laboratório de História Econômico-Social da Universidade Federal Fluminense.

FORA DE ORDEM Obras expostas não seguem a narrativa pensada por Fídias (Crédito:Daniel Leal/ AFP))

US$ 438 mil foi o valor que Lord Elgin recebeu do British Museum pelas esculturas

Patrimônio Mundial da Unesco desde 1987, o Partenon foi criado para prestar honras à deusa da sabedoria, mas se consolidou mesmo como símbolo social e político. Marco da expulsão dos persas no século 5 a.C., o templo grego resistiu até mesmo à investida otomana de transformá-lo em uma mesquita. “Para além da proeza estética e artística, suas esculturas representam um ideal de democracia que a cultura ocidental abraçou”, fala Jácome, lembrando que o painel principal retratava as Panateneias, festivais cívico-religiosos do calendário local.

“Os países têm que preservar suas obras materiais e imateriais, pois elas dão sentido de nacionalidade e de respeito ao bem público”, ratifica Rafael Zamorano, professor no PPGPAT/COC/Fiocruz e historiador do Sítio Roberto Burle Marx (SRBM/Iphan). Para ele, o argumento de que no Reino Unido as obras estariam mais acessíveis só reforça o pensamento colonial.

PROTESTO Atores fazem manifestação pela devolução diante do British Museum (Crédito:PA Images / Alamy/Fotoarena)

Obras fragmentadas

Apesar de as esculturas estarem praticamente divididas entre os museus britânico e grego, ainda há peças no Louvre e no Vaticano. Sobre essas, o Senhor parece ter ouvido as preces de Atenas. Nas últimas semanas, o Papa Francisco anunciou a doação dos três mármores que compunham o acervo do Estado religioso. Fato é que a onda de devoluções de peças históricas vem ganhando camadas de força pelo mundo, à medida que temas como apropriação cultural e pensamento decolonial são mais discutidos na sociedade. Em 2021, a França devolveu ao Benin 26 obras de arte da época da colonização e, no ano passado, foi a vez da Alemanha devolver à Nigéria as artes roubadas no período colonial. No Brasil, o caso dos mantos tupinambás expostos em museus europeus sempre vem à tona e uma notícia recente divulgou que Portugal prometeu devolver os tesouros das ex-colônias.

MITOLOGIA Os painéis, frisos e esculturas reúnem representações de criaturas fantásticas (Crédito:Dylan Martinez )

A devolução em jogo entre gregos e britânicos, por outro lado, é chamada de empréstimo. Ou intercâmbio cultural. Isso porque, pela lei inglesa, peças de museus não podem deixar seus acervos. Para devolver os mármores, o British Museum estaria disposto a receber, em troca, antiguidades gregas de mesmo valor cultural. Seja qual for o nome dado à negociação, enviar as peças para Atenas significa recontextualizá-las, de acordo com Jácome. “Só na Grécia elas podem reviver a sua harmonia enquanto conteúdo narrativo.”