O favoritismo de Emamnuel Macron à reeleição como presidente da França, nas eleições de 10 de abril, parece confirmar a tendência europeia pela manutenção de governos de centro. Foi o que aconteceu recentemente com a reeleição do primeiro-ministro português, António Costa (PSB), e com a recondução do presidente italiano Sergio Mattarella. Político que não resvala para extremos da direita ou da esquerda, Macron tem se mostrado um porto seguro para os franceses que convivem com a insegurança mundial trazida pela pandemia e ainda vêem o fantasma da ultradireita avançando.

RADICAL Éric Zemmour cria imagem de outsider e conservador, mas sua plataforma é de extrema direita (Crédito:Thomas SAMSON / AFP)

Em janeiro, pesquisa da Ipsos Sopra-Steria apontava 26% de votos para Macron, contra 17% de Marine Le Pen (extrema direita), 16% de Valérie Pécresse (centro) e 12% de Éric Zemmour (também de extrema direita). Nenhum dos candidatos de esquerda alcançaria 10%. No segundo turno, em 24 de abril, Marcon somaria 55% sobre 45% de Pécresse, ou faria 58% sobre 42% de Le Pen. Os números mostram que o país deve optar por um governo moderado, de continuidade.

A França vem enfrentando um cenário complexo com discursos de ódio misturados a fake news. A extrema direita tem surpreendido com os altos índices de intenção de votos de seus dois representantes. Marine Le Pen e Éric Zemmour pregam a desempregados e contra imigrantes, denunciando a falta de segurança e defendendo os valores tradicionais franceses. São críticos da União Europeia, que culpam pela crise econômica. “Zemmour se apresenta habilmente como um outsider, ou como conservador, mas sua plataforma é de extrema direita”, aponta Roberto Goulart Menezes, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. O especialista alerta para o perigo representado pelas redes sociais criadas fora do controle público, como a GETTR, criada em julho de 2021 com financiamento de Steve Bannon.

A esquerda, por sua parte, teme sofrer uma derrota histórica. As dificuldades dos progressistas ficaram patentes nas eleições primárias que ocorreram entre 27 a 30 de janeiro, com perto de 85% de participação online e mais de 460 mil inscritos. Essa iniciativa reuniu forças de esquerda que queriam unificar seu candidato, acima das escolhas partidárias. Mas, em vez de unir o campo esquerdista, a operação ajudou a fragmentar ainda mais a “gauche”.

A França pode confirmar a tendência europeia pela manutenção de governos de centro, como nas eleições da Itália e de Portugal

A vitoriosa das primárias foi a ex-ministra da Justiça Christiane Taubira, que apelou à união. Mas a escolha desagradou os apoiadores de Anne Hidalgo, a prefeita socialista de Paris, que sonha levar o PS de volta ao poder. Ainda assim, o professor da UnB acredita que, no segundo turno das eleições presidenciais, o bloco dos comunistas e os sociais-democratas irão se unir. “Ao contrário do Brasil, a Social Democracia na Europa tem origem na esquerda, como na França e na Alemanha, com socialistas, verdes… E ainda existe o campo conservador, que reconhece o estado de bem-estar social, ainda que com reajustes, porque preza o ensino público, a aposentadoria.

SURPRESA Chistiane Taubira nem aparecia nas pesquisas de janeiro, mas venceu as eleições primárias da esquerda (Crédito:Christian Hartmann)

A França tem forte cultura de direitos.” Com os adversários em dificuldades, o caminho ficou facilitado para o atual presidente. Macron estudou filosofia e políticas públicas e formou-se na aclamada Escola Nacional de Administração. É visto como social democrata. O perfil demonstrado no governo, aliado a um discurso sobre o fortalecimento da França à frente da União Europeia, é conveniente para aglutinar interesses: fala do continente como potência soberana e humanista, valorizando seu crescimento. Aos 44 anos, o mandatário deixa clara a opção pela segurança da população ao destacar a necessidade de diálogo com Vladimir Putin, em vez de apoiar o confronto com a Rússia na questão com a Ucrânia. Também defende aliança com países africanos, proteção ao meio ambiente e salário mínimo para a Europa como um todo.

Para Menezes, estas eleições colocam Macron diante de duas situações, principalmente: uma negativa, dos protestos dos “coletes amarelos”, que mesmo sem representação partidária se colocaram contra a alta do custo de vida, e uma positiva, com boa resposta à pandemia por parte do sistema de saúde, além da pronta adesão à vacina. Assim, o pleito deve caminhar para o segundo turno, como observa Menezes, que lembra: o voto não é obrigatório na França. “Como os franceses mesmos falam, é colocar o pregador no nariz e ir votar na segunda rodada, para afastar a ameaça da extrema direita.”