25/11/2022 - 9:30
Em junho, encerradas as eleições parlamentares na França, Emmanuel Macron levou um banho de água gelada. Reeleito pelo partido En Marche!, de centro, em abril, com uma coligação à esquerda para barrar a extrema-direita, o presidente não conseguiu maioria na Assembleia Nacional, que tem o poder de fato nas questões legislativas: a aliança somou 245 cadeiras, quando precisava de 289 — e ainda perdeu 75, em relação ao mandato de 2017. A situação não é inédita na política francesa, mas criou uma dificuldade enorme para um presidente que perde popularidade e é acossado pelos extremos. O horizonte anunciava sérias dificuldades: internamente, porque o mandatário passaria a depender de votos negociados com a esquerda e a direita para aprovar propostas, uma a uma; externamente, a crise econômica e energética se aprofundava na Europa, arrastando a França no turbilhão. Passaram-se mais cinco meses e Macron se vê isolado, governando a França no banho-maria, sem conseguir passar medidas que são fundamentais para seu projeto político. Pressionado, em meio a manifestações populares raivosas pelas ruas, ele ameaça recorrer a uma canetada e dissolver a Assembleia, convocando novas eleições — o que não deverá ousar, pelo alto risco de perder ainda mais cadeiras.
Essa dificuldade parece uma oportunidade para a extrema-direita de Marine Le Pen, que por pouco não levou a Presidência da França, e exibe força renovada: a líder deu lugar a Jordan Bardella, com apenas 27 anos, na liderança de seu partido, já com vistas às próximas eleições, em 2027. E poderá ganhar muitos pontos com a paralisia de Macron. O “projeto a ser aprovado”, para ele, é a reforma da Previdência, como explica Ana Carolina Marson, doutora em Relações Internacionais e professora da Universidade São Judas Tadeu. “É dessa medida que ele mais precisa, para definir sua política de governo”, observa. “Subir a idade da aposentadoria de 62 para 65 anos, com mais tempo de contribuição, impediria a dívida pública de aumentar mais, após chegar a 100% do PIB. Seria uma forma de não aumentar impostos. Mesmo porque a pirâmide etária já se inverteu na França: há mais idosos aposentados do que população economicamente ativa.” Mas os manifestantes não concordam — e engordam os protestos que pipocam pelo país.

As perdas sociais não são aceitas pelos franceses. Macron enfrenta questionamentos principalmente por parte das camadas mais pobres. “As contas não estão fechando no fim do mês, com os salários recebidos, o que para eles é fora do comum”, observa a professora. Mesmo com inflação ainda distante dos dois dígitos (já alcançados por Alemanha e Reino Unido, por exemplo), a França bateu recorde com os 6,5% de junho, segundo o INSEE (instituto oficial de estatísticas), que agora em novembro teve baixa de apenas 0,3%. “Aí está a questão: como manter salários com poder de compra e também os benefícios sociais? Os hospitais públicos, por exemplo, estão em crise, sem orçamento. Daí os protestos contra a alta do custo de vida, os baixos salários e os cortes nos serviços públicos.”
Macron se vê acuado. Não consegue aprovar projetos e perde governabilidade. Essa é uma das razões para ter investido em uma “agenda positiva” no exterior. “Tanto que foi à Ucrânia falar com o presidente Zelensky, compareceu à COP27 em Bali, voltou-se à questão ambiental com o presidente eleito Lula. Melhorando a imagem fora, talvez consiga algum ganho interno”, diz a professora.
De toda forma, Ana Carolina não acredita que o francês cumpra as ameaças — por meio de Élisabeth Borne, a primeira-ministra — de acionar o artigo da Constituição que prevê dissolução da Assembleia pelo presidente. Nem que se chegue a algo como um pedido de impeachment de Macron, escalando a crise como no episódio dos coletes-amarelos, que forraram a França de protestos entre 2018 e 2019. “A França teve a Revolução Francesa, o Iluminismo. Não depõe presidentes. Acredito que ele vá negociar resoluções sociais para apaziguar o cenário, olhando principalmente para a questão salarial. E seguirá no arroz-com-feijão.”
Bate-boca pega fogo

Não bastassem as questões internas com a extrema-direita, Emmanuel Macron também não tem vida fácil no convívio com colegas do continente. Sua maior disputa hoje acontece com a Itália, representada pela primeira-ministra recém-eleita. Giorgia Meloni, neofascista e também eleita por uma coalizão, é abertamente contra imigrantes. O incidente que piorou as relações entre os países teve o navio Ocean Viking, com 234 pessoas a bordo, sendo 57 crianças, impedido de aportar na Itália, até ser autorizado pela França. Gérard Darmain, ministro do Interior francês, foi o encarregado de classificar a atitude do governo italiano como “egoísta e incompreensível”. Meloni respondeu de bate-pronto que a atitude francesa tinha sido “agressiva e injustificada”. Foi preciso o presidente Sergio Mattarella intervir, para amenizar o teor da fala da premiê e evitar mais uma crise no bloco europeu.