09/09/2022 - 9:30
Impulsionada pela tração do antipetismo, Soraya Thronicke contou com a bênção de Jair Bolsonaro para conquistar uma vaga no Senado em 2018 pelo PSL. Mas, passados quatro anos, a advogada afirma ter sido “iludida” pelo presidente, que, segundo avalia, abandonou as bandeiras do liberalismo e do combate à corrupção, e, agora, o equipara a Lula: “Os dois são a soma de 20 anos de corrupção e má gestão”, dispara. Escalada pelo União Brasil para a corrida pelo Palácio do Planalto, a senadora garante não ser uma candidata de fachada e argumenta que o partido não compôs com outras siglas de centro-direita, como MDB e PSDB, porque as lideranças estavam em busca de recursos do fundão eleitoral, mas, não, de diálogo. Nas ruas, Soraya encampa a defesa do “imposto único”, um projeto defendido há décadas pelo economista Marcos Cintra, vice da sua chapa, e declara que o primeiro ano de um eventual governo seria marcado pelo “aperto nos cintos”. Apesar do discurso pró-responsabilidade fiscal, ela promete manter o Auxílio Brasil a R$ 600. “O grande desafio é tirar os brasileiros dessa situação de dependência do Estado. Uma política fora dessas linhas é um atestado de fracasso”, afirma.
A sra. se elegeu ao Senado com o apoio de Bolsonaro. Por que se afastou dele?
Em 2016, como uma liderança dos movimentos de rua, abracei Bolsonaro e pedi que fosse candidato. Fomos todos eleitos em uma onda anti-PT, levantando as bandeiras de combate à corrupção, de liberalismo econômico e de tecnicidade em todos os ministérios. Continuo com os mesmos propósitos. Quem se afastou foi o presidente, que abandonou a técnica, a ciência e os números. Lidou com o Brasil por meio de ideologias. Bolsonaro disse, por exemplo, que jamais faria comércio exterior com viés ideológico, mas coloca esses ruídos quando trata de questões internacionais, vide China e França.
Por causa do rompimento, a sra. tem sido atacada e chegou a revelar ter sofrido pressão do clã Bolsonaro para retirar o apoio à CPI da Lava Toga. O que aconteceu à época?
Em 2019, eu, Major Olímpio e Selma Arruda fomos pressionados, de forma muito veemente, a retirar nossas assinaturas da CPI da Lava Toga. Flávio me ligou aos berros. Disse que não era o momento, porque aquilo “pararia o Brasil” em um momento crucial para a Reforma da Previdência. Mas a grande verdade é que o combate à corrupção foi minimizado o tempo inteiro no governo Bolsonaro. Veja quantas vezes ele trocou o diretor-geral da PF. Essa forma de agir coíbe o combate à corrupção.
Houve outros episódios de coação?
Recentemente, também me procuraram para que eu retirasse a assinatura da CPI do MEC. Gostaria muito de vê-lo responder sobre isso. No caso dessa comissão, foi todo o entorno do Planalto, entre ministros, líderes e senadores. Eu falei: “Olha, desistam, porque vocês me conhecem”. É crime? Não, mas é um bastidor importante para se entender o governo, que diz ser contra a corrupção.
O clã Bolsonaro não soube explicar de que forma conseguiu comprar 107 imóveis, sendo 51 em dinheiro vivo. É um indicativo de crime?
Bolsonaro tem muitas respostas a dar à população e, no meio tempo, tenta nos distrair com discussões ideológicas, xingando ministros, fazendo confusão. Gostaria de saber como eles pagaram. Levaram o dinheiro como? Em malas, bolsas? Por que tanto dinheiro vivo? De onde saíram os recursos? Não vou dizer que houve crime porque todos são considerados inocentes até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Temos de dar direito ao contraditório e à ampla defesa. Mas gostaria que preenchessem as lacunas.
A sra. entrou na disputa pelo Planalto na última hora, depois de Luciano Bivar recuar por causa de um flerte com Lula. Como convencer o eleitor de que sua candidatura não é de fachada?
Estou trabalhando diuturnamente nessa candidatura. Se fosse de fachada, eu estaria em casa ou na praia. A minha candidatura está nas ruas, no chão, na televisão, nas redes sociais. O Bivar saiu por conta de uma conclamação de Pernambuco para que fosse candidato a deputado. Como eu seria a vice dele na chapa presidencial, houve uma sucessão natural.
O que impediu a união de todos os partidos de centro?
Bem que tentamos unir todos. Foi Bivar quem deu o primeiro passo para uma candidatura alternativa. O que ocorreu nesse meio tempo? O PSDB entrou em guerra interna entre João Doria e Eduardo Leite. De repente, Simone Tebet enfrentou problemas dentro de seu próprio partido — aliás, ela ainda está nessa situação, não foi totalmente aceita. Ainda assim, chamamos também o Podemos, que tinha à época Sergio Moro, e passamos a defender critérios internos. Mas ninguém aceitava. Simone disse o seguinte: “Jamais serei vice, serei apenas a protagonista”. Eles mesmos começaram a abandonar o barco. Percebemos que só queriam a noiva rica do momento, mas não queriam dialogar e dividir tudo isso. Não fomos nós que desistimos ou atrapalhamos.
O mote da sua campanha é o imposto único, que consiste em unificar 11 tributos federais. Mas o Congresso tenta implementar uma reforma há anos, sem sucesso.
Se o propósito do governo Bolsonaro fosse realmente fazer a Reforma Tributária, ele teria conseguido. A nossa proposta não interfere no pacto federativo, somente simplifica os impostos. Ou seja, não haverá dissabores na discussão sobre o naco dos municípios e dos estados. As pessoas sentirão que estão pagando menos porque o projeto abrange contemplar 100% da população brasileira. Quanto mais pessoas pagam, menos se paga.
O Orçamento de 2023 não comporta todas as promessas feitas pelos presidenciáveis, como o Auxílio Brasil a R$ 600 e o reajuste do funcionalismo. Quais serão as suas prioridades, se eleita?
As pessoas estão revirando lixo. No Brasil, falta o que comer. A situação está muito complicada. A medida social do Auxílio permanecerá. O governo que tenta tomar tudo para si, embora tenha apoiado um benefício só de R$ 200 no início, se contradisse na promessa de campanha e indicou um repasse mensal só de R$ 405 no orçamento. Faremos diferente.
Mas de onde tirar dinheiro?
Teremos de apertar os cintos no que não é essencial. O ministro da Economia esquece o que é o princípio da essencialidade quando mexe em tributos, por exemplo, de jet ski. Fora isso, um dos apêndices da nossa proposta econômica é que quem ganha até cinco salários mínimos não vai mais pagar Imposto de Renda e nem a contribuição previdenciária. Aquele desconto que vem no holerite de quem ganha até R$ 6.060 não vai mais ser feito. Esse dinheiro vai sobrar no bolso do contribuinte, que, com isso, poderá gastar mais. E sabemos que o poder de compra reaquece a economia.
O reajuste dos servidores será prioritário?
Precisamos ver o que é essencial. Vamos sentar com servidores que estão com salários defasados e fazer uma análise, um planejamento. Mas todos precisam saber que a situação que nos trouxe até esse momento foi o voto, inclusive o meu. Teremos, todos juntos, de dar as mãos e buscar o que é prioridade de gestão, assim como a gente analisa as prioridades das nossas casas. Geralmente, o funcionalismo ganha acima da média do restante dos brasileiros. Então, onde for possível apertar o cinto, apertaremos.
A sra. pretende preservar o teto de gastos ou pensa em outra âncora fiscal?
Um dos problemas é que os recursos que batem no teto têm de ser divididos entre custeio e investimento. Hoje, o dinheiro vai apenas para as contas. Mas, em termos gerais, sou a favor do teto de gastos porque entendo, de uma forma simplista, que nós não podemos gastar mais do que arrecadamos.
A sra. se identifica como liberal?
O liberalismo genuíno não se olvida em nenhum momento da questão social. Não posso simplesmente deixar pessoas passando fome. Os índices de liberdade econômica dos países caminham concomitantemente com o IDH. Quem é engessado no liberalismo do “deixa acontecer” ou “deixa o mercado ver” precisa repensar. Sou liberal e, não, anarquista.
A mesma lógica serviria para Paulo Guedes?
Paulo Guedes e Bolsonaro iludiram os brasileiros. Achávamos que eles adotariam medidas para abrir o mercado, permitindo a ampliação, por exemplo, do número de bancos, de companhias aéreas. Pensei, ainda, que trariam mais investimentos para o Brasil, o que não ocorreu. Os dois foram populistas de forma exacerbada, prevendo, no Auxílio Brasil, apenas a porta de entrada, mas não a de saída dos brasileiros com dignidade. Lula e Bolsonaro se vangloriam de ter colocado milhares dentro do programa. O grande desafio é tirar os brasileiros dessa situação de dependência do Estado. Uma política fora dessas linhas é um atestado de fracasso. Guedes foi uma falácia. Caímos no conto do vigário.
A sra. vê um risco real de ruptura da democracia nas investidas de Bolsonaro?
Acho que Bolsonaro não terá coragem. Ele até está tentando desestabilizar a democracia, plantando discórdia e dúvidas, mas temos um Congresso forte. Não sei o que uma pessoa é capaz de fazer no desespero, em particular nesse desespero em que ele se encontra por não ter respostas para as coisas, por não ter entregado o que pregava. Não sei também até que ponto ele está desesperado por questões pessoais e familiares. Mas não acredito que se atreverá ao ponto de uma ruptura.
Lula e Bolsonaro são duas faces da mesma moeda?
Sim. O maior cabo eleitoral de Lula se chama Jair Bolsonaro e vice-versa. Eles são muito parecidos. Os dois se aproveitam de uma forma oportunista da sensibilidade do povo brasileiro. Os mundos que eles pregam estão nas propagandas eleitorais de Lula e nos grupos de WhatsApp de Bolsonaro. Juntos, eles são a soma de 20 anos de corrupção e má gestão.
Sergio Moro está ao seu lado. A sra. concorda com o Supremo, que o considerou parcial?
Se o Supremo declarou que Moro foi parcial, deveria ter declarado que o Tribunal Regional Federal e o Superior Tribunal de Justiça também foram. Isso não aconteceu. Entendo isso mais como uma guerra política do que uma guerra judicial e de mérito. A Lava Jato provocou a condenação de outros enrolados e recuperou dinheiro e, por isso, digo que a Operação foi muito melhor do que qualquer questão que possa não ter ficado tão a contento. A Lava Jato foi muito importante. É uma pena que acabaram. Vejo, hoje, uma PF tímida e retraída com pouco investimento e nada de autonomia.