30/09/2022 - 9:30
Na esteira de escândalos de corrupção deslindados pela Lava Jato, o Supremo Tribunal Federal deu uma ousada cartada para coibir a promiscuidade na relação entre empresas e políticos ao barrar a doação de pessoas jurídicas a campanhas. A proibição, que completa sete anos neste mês, cumpriu seu papel e reduziu o espaço para o “toma lá, dá cá” eleitoral. Mas os elos entre executivos de grandes empresas e figurões da Esplanada, jamais foram quebrados. Estão, inclusive, estampados nas contribuições dos milionários, na condição de pessoas físicas, a partidos na disputa de 2022. Alguns dos nomes listados nas extensas prestações de contas feitas pelas siglas à Justiça Eleitoral podem estar frescos no imaginário da população: responderam judicialmente pela ligação com malfeitos na administração pública ou cultivam interesses no Congresso.
As ligações não têm cor partidária ou distinção ideológica — o PL, de Jair Bolsonaro, e o PP, de Ciro Nogueira, aliás, não aparecem na relação de beneficiários somente porque escolheram realizar o detalhamento de suas movimentações financeiras somente no ano que vem, prazo máximo para a prestação de contas da campanha. A maior parte dos partidos, porém, faz a publicação diariamente. O PT, por exemplo, atestou ter recebido R$ 100 mil de Marcos Joaquim Gonçalves Alves, um dos fundadores da M.J. Alves e Burle. Ele doou à sigla durante um jantar de apoio à candidatura de Lula, celebrado em São Paulo. O advogado, que já atuou na defesa de Eduardo Cunha, integra a lista de investigados da Operação Grand Bazaar, embasada pela delação de Lúcio Bolonha Funaro. Marcos é suspeito de ter atuado na ponte para uma reunião entre o operador e o deputado Sergio Souza, relator da CPI dos Fundos de Pensões, para evitar a convocação à comissão de ex-presidentes do Petros e do Postalis, fundos de seguridade social da Petrobras e dos Correios. No encontro, segundo Funaro, ficou acertada uma propina de R$ 9 milhões em nome do acordo. A apuração corre no Supremo Tribunal Federal desde 2019. Em nota, Roberto Podval, defensor de Marcos, declarou que “a investigação não provou as acusações feitas pelo delator”.
O partido ainda conta com contribuições do advogado Edgard Hermelino Leite Junior, alvo de busca e apreensão na Operação E$quema S, norteada pela delação de Orlando Diniz. Às autoridades, o ex-presidente da Fecomércio do Rio afirmou ter fechado um acerto com escritórios de advocacia, que, por meio do tráfico de influência em tribunais, manteriam-no blindado no cargo. À época em que a operação foi às ruas, a PF afirmou que o conluio teria resultado no desvio de pelo menos R$ 151 milhões dos cofres de entidades do Sistema S, como Sesc e Senac. A apuração, no entanto, acabou minada no ano passado, quando a Segunda Turma do Supremo confirmou uma decisão de Gilmar Mendes e anulou todas as decisões do juiz Marcelo Bretas que davam sustentação ao inquérito, encaminhando as sobras da papelada à Justiça comum fluminense. Em abril, o processo foi enterrado de vez — na ocasião, o juiz à frente do caso afirmou que a Lava Jato do Rio, onde começou a investigação, tinha o objetivo de “criminalizar o exercício da advocacia”.
No MDB, os laços são ainda mais antigos. Ex-gerente de desenvolvimento comercial da Construtora Barbosa Filho, Alfredo Moreira Filho, que doou R$ 100 mil para o partido, chegou a ser preso em 2015 na Operação Vidas Secas, a qual mirou desvios de R$ 200 milhões em obras do Rio São Francisco. As cautelares cumpridas na ocasião abasteceram o inquérito da Operação Desintegração, deflagrada em 2019, na qual o empresário foi alvo de busca e apreensão. Esse processo investigou o senador Fernando Bezerra Filho (MDB-PE) pelo suposto recebimento de R$ 10,4 milhões em propina da Barbosa Mello, OAS, S/A Paulista e Constremac. As vantagens indevidas seriam contrapartidas por contratos, como o da transposição, firmados pelas empresas com o Ministério da Integração Nacional, chefiado pelo emedebista durante a gestão Dilma Rousseff. A PF viu provas “cabais” de irregularidades contra o congressista e chegou a indiciá-lo por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Puxado pela ala garantista, o Supremo, porém, arquivou as suspeitas sobre ele neste mês.
Jabutis
Além de ligações antigas, as doações às campanhas de 2022 demonstram uma ponte para o futuro. Ex-sócio da OAS, Carlos Alberto Suárez sonha com a aprovação pelo Congresso de um projeto que abra caminho para a construção de gasodutos no país — hoje, ele e seus sócios são os únicos donos de autorizações para distribuir gás em oito estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Em busca da concretização do plano, ele chegou a negociar com o Centrão no primeiro semestre deste ano a inclusão de um artigo necessário para as obras no projeto que trata da modernização do sistema elétrico. A medida, que custaria R$ 100 bilhões, levantou polêmica, mas não está descartada. A proposta que pode atender aos anseios de Suarez, caso receba o “jabuti”, está parada em uma comissão especial na Câmara. Com a pretensão em stand-by, o empresário repassou R$ 500 mil ao Republicanos e rateou outros R$ 415 mil entre candidatos a deputado federal e estadual do Amapá e da Bahia. O jogo de interesses na política nunca morre.
PT

Doação R$ 100 mil
Ex-advogado de Eduardo Cunha, figurou entre os alvos da Operação Grand Bazaar, que mirou o deputado Sérgio Souza (MDB-PR) pela suposta cobrança de propina para não incluir os ex-presidentes da Postalis, Antônio Carlos Conquista, e da Petros, Wagner Pinheiro, na lista da CPI que investigou desvio de recursos de fundos de pensões.
MDB

Doação R$ 100 mil
Chegou a ser preso na Operação Vidas Secas – Sinha Vitória, que investiga desvios de R$ 200 milhões em obras da transposição do Rio São Francisco.
Republicanos

Doação R$ 500 mil
Ex-sócio-fundador da OAS, o “rei do gás” sonha com a aprovação de uma proposta que pavimente a construção de uma rede de gasodutos no país. Em meados de maio, ele discutiu com parlamentares do Centrão a inclusão de um “jabuti” no projeto de lei 414/2021, que prevê a modernização do setor elétrico e está em debate numa comissão especial instalada na Câmara.
Nota
O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou o inquérito que apurou se o deputado Sergio Souza (MDB-PR) recebeu propina para blindar os ex-presidentes do Postalis, Antônio Carlos Conquista, e da Petros, Wagner Pinheiro, na CPI dos Fundos de Pensão. O Ministro acolheu o pedido de arquivamento da Procuradoria-Geral da República (PGR) que concluiu não ter encontrado elementos que comprovassem as acusações trazidas no bojo de uma colaboração premiada.
Em sua decisão, Nunes Marques estendeu o arquivamento ao advogado Marcos Joaquim afirmando que não foram encontradas interferências indevidas do advogado na tramitação da CPI dos Fundos de Pensão. O Ministro ressaltou ainda que foram “5 anos de investigação e nada ficou comprovado”.