João Paulo não conseguia dormir no hotel, em Londres.

Ligou para a mulher no Brasil e disse que deveria ser o jet leg da viagem.

Mentira. Era medo e ansiedade, mesmo.

Medo de perder o emprego e ansiedade pela decepção com o fracasso da reunião.

João knew better, como dizem os gringos.

Já tinha feito centenas de reuniões na matriz da firma.

Cansou de ver apresentações com o mesmo final da que ele tinha feito aquela tarde.

Sujeitos competentes, que na hora do vamos ver, eram nocauteados pelas perguntas dos executivos.

Nunca tinha acontecido com ele, é verdade, mas João sabia como acontecia.

O sujeito mostrava lá seus slides.

Aí bastava uma pergunta. E pronto. Desastre.

Depois de deixar o sujeito despedaçado na mesa de reuniões, com o último slide escorrendo sangue na tela, os danados dos gringos ainda assumiam um jeito friendly como eles dizem, porque gringo não chuta cachorro morto.

Além do mais, todos sabiam que o sujeito não apareceria na próxima reunião.

Às vezes nem era demitido.

Apenas tinha seu plano de carreira engolido pelo ralo corporativo.

João knew better, como os gringos dizem.

Por isso sempre se preparava com antecedência e tinha sempre as respostas na ponta da língua.

Dessa vez chegou a Londres às nove da manhã.

A secretária reservou um early check in no hotel, porque ele sabia que estaria cansado e a reunião seria na tarde daquele dia mesmo.

Do Heathrow foi para o hotel, tomou um banho e sentou para rever o Power Point.

No último mês teve até umas aulas de inglês na hora do almoço, só conversação, sabe como é, queria para ficar bem afiado.
Não adiantou.

Foi no décimo sexto, de vinte e quatro slides, que veio a pergunta de um indiano.

Pronto. Dali para frente foi ladeira a baixo.

Down in flames, como os gringos dizem.

Por isso João não estava conseguindo dormir.

Então, lá pelas duas da manhã, desistiu e desceu para o bar do hotel.

Quarta-feira, hotel corporativo, o bar estava vazio, exceto pela bar woman.

Uma loira, alta, de 30 e poucos anos.

João sentou-se ao balcão e pediu um gin.

A mulher perguntou se ele não preferia a melhor vodka que iria tomar na vida.

João aceitou. Preferia gin, mas não teve ânimo para insistir.

A bar woman pegou uma garrafa embaixo do balcão e serviu dois copos.

Um para ele, outro para ela.

João notou uma tatuagem no braço da mulher.

Nie ma żadnego tygrysa.

Perguntou o que significava a frase.

– There is no tiger. — ela respondeu, sorrindo. O tigre não existe.

João não entendeu.

Para quem é brasileiro, tem sempre um tigre em cada esquina

A mulher explicou que temos um alarme de sobrevivência. Um alarme, que soa quando somos ameaçados. A ansiedade.
A descarga de adrenalina. O medo.

E que a Natureza criou aquilo para os perigos que ameaçavam nossos ancestrais. Continuou, explicando que não somos mais ameaçados como antes, então nossos medos agora são por bobagens, por trabalho, por amor ou, quem sabe, por uma reunião que dá errado, por exemplo.

A mulher ergueu um brinde.

– Para os tigres que não existem.

João brindou enquanto pensava como o destino prega essas peças na gente.

Um outro sujeito poderia achar aquela história inspiradora e ir dormir certo de que dias melhores virão e que os problemas prosaicos estão só na nossa cabeça.

Não João Paulo.

João achou a história e a tatuagem da polonesa uma bobagem.

Essa mulher não deve é ter contar para pagar, ou filhos na faculdade, isso sim, pensou.

João knew better.

Essa história foi adaptada de uma lenda urbana polonesa.

Originalmente tem um final cheio de esperança.

Mas você e eu somos brasileiros, não é mesmo?

We knew better.