04/11/2022 - 9:30
Novo governo
Que não se espere da socióloga Rosângela da Silva, a Janja, 56 anos, a continuidade do papel da primeira-dama assistencialista protagonizado nos últimos quatro anos por Michelle Bolsonaro. A mulher de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente eleito, está no PT desde 1983, quando tinha 17 anos. Sempre militou na política partidária – e não seria porque detratores a acusam de “querer dar as cartas no PT” que deixaria de se manifestar politicamente – ainda mais agora, como companheira de vida do maior líder de esquerda que o Brasil já conheceu. Ela fala – e se faz ouvir, como seria de se esperar.
No próximo governo, não se espera que Janja tenha uma sala no Palácio do Planalto para despachar perto do gabinete presidencial. Sua trajetória até aqui a coloca longe dessa posição de encastelamento, de primeira-dama que fica isolada da luta política. Muito ao contrário: ela deve permanecer sob os holofotes e se manter na posição de articulação que conquistou durante a campanha – junto a movimentos feministas e ao setor cultural, por exemplo. Em abril, em um encontro de Lula com mulheres pelo direito à alimentação na periferia da zona norte paulistana, afirmou ter especial preocupação com a questão da fome no País. “Eu tenho um carinho muito especial pela pauta das mulheres e o tema da alimentação e da segurança alimentar”, disse. “Se eu puder contribuir em alguma coisa nessa campanha, nesse governo, vai ser na questão da segurança alimentar”.
A paranaense Janja é uma mulher bonita, espontânea e expansiva, de presença marcante. Dedicada ao marido, fez questão de estar ao lado dele durante toda a campanha eleitoral, inclusive nas viagens que o então candidato a presidente fez pelo País. Desde que virou figura pública, Janja sempre se mostrou bastante afetuosa com o marido, e tomou para si a responsabilidade por cuidar dele. “A Janja escolhia até as sopas que o Lula tomava na campanha”, diz um assessor do petista, surpreso com a sintonia entre o casal. Durante esse período, em mais de uma ocasião, e temendo pela segurança do marido, chegou a se impor e reclamar quando percebia que a tietagem em torno dele em eventos públicos ameaçava sair do controle. Também demonstrou bastante preocupação em poupar-lhe a voz, que já é naturalmente rouca e que ficou pior durante o período eleitoral. “Eu vou ser curto, porque a Janja fala ‘economiza a voz, economiza a voz’”, disse Lula em um evento realizado em setembro, no Pará. O presidente fez a revelação entre sorrisos, demonstrando que a preocupação e os cuidados da mulher são bem-vindos.
No discurso da vitória no dia da eleição, em 30 de outubro, não foi diferente. Janja estava lá, de vermelho dos pés à cabeça, à direita do amado – num instante com um lenço de papel na mão para lhe secar o suor do rosto, e no instante seguinte, com uma garrafinha de água para lhe aplacar a sede. Enquanto se preparava para falar, Lula ajeitava um calhamaço de papel com o discurso que leria em seguida. “Eu vou colocar meus óculos e a Janja vai retirando as páginas aqui”, explicou. Ela se impõe como sua mulher, sua companheira, seu braço direito. E Lula se mostra satisfeito e feliz com isso.

De quebra, Janja está entre os principais interlocutores do presidente quando o assunto é política, e exerce grande influência sobre ele. Foi graças a ela que Lula incorporou a seu discurso político pautas como igualdade de gênero, alimentação saudável, produção de alimentos orgânicos e ainda a defesa dos animais. Natural, portanto, que Janja provoque alguma ciumeira dentro do PT, partido no qual alguns dos principais personagens parecem não lidar bem com o fato de o líder petista voltar as atenções para uma única pessoa, em vez de socializá-las.
Talvez o incômodo de algumas lideranças petistas em relação a Janja se deva também a comparações com Marisa Letícia, com quem Lula viveu por 43 anos e com quem criou quatro filhos. Ela faleceu em 2017, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC). Se casara com Lula quando ele ainda era metalúrgico no ABC paulista, na década de 70, e nem sonhava em chegar à presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, o que o catapultaria como liderança sindical e política. A primeira bandeira do PT, aliás, foi confeccionada por Marisa Letícia, que passou grande parte da vida como dona de casa e detentora de um perfil discreto, sem se envolver em questões partidárias, embora sempre tenha apoiado incondicionalmente o marido.
Janja e Lula já estavam juntos quando o ex-presidente foi preso, em 2018, mas ela só foi apresentada publicamente como namorada no dia da soltura do petista, em novembro de 2019. Antes disso, esteve em todas as vigílias “Lula Livre”, feitas defronte o prédio da Polícia Federal em Curitiba durante os 580 dias de cárcere, mas sem se identificar como a futura esposa do atual presidente eleito. O fato é que a relação entre Lula e Janja rejuvenesceu o presidente, que completou 77 anos em outubro último. Novos tempos, de uma primeira-dama que chega ao Palácio do Planalto não apenas como esposa, mas como militante lulopetista.