24/02/2023 - 9:30
Com prazo final batendo na porta, o decreto publicado em 1º de fevereiro para o recadastramento de armas de uso permitido e restrito no Sistema Nacional de Armas (Sinarm) mobilizou a bancada armamentista numa corrida contra o tempo no Congresso. A medida anunciada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública dá 60 dias para a realização do processo, suspende o registro de novas armas de uso restrito de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) e é observada como um ato político por deputados bolsonaristas que organizam uma série de projetos na tentativa de se operem ao “revogaço” de Lula contra as medidas do governo anterior de facilitar o armamento indiscriminado. O decreto do governo petista determina também a comprovação de efetiva necessidade para o porte de arma e, sobretudo, reduz pela metade (de 6 para 3) a quantidade de armas por cidadão comum.
A restrição do acesso a armas no Brasil foi uma das bandeiras da campanha de Lula na discussão do combate à violência. O governo pretende concentrar os registros de armas no Sinarm — incluindo as que estão na posse dos CACs, que têm os armamentos controlados e registrados pelo Exército. O ministro da Justiça, Flávio Dino, subiu o tom após o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, suspender os processos que discutiam a legalidade do novo decreto. Dino afirmou, em coletiva à imprensa, que aqueles que estiverem em situação irregular incorrerão em crime. “Nós queremos, a partir da decisão do Supremo, que remove qualquer dúvida jurídica que pudesse eventualmente ainda existir, fazer este alerta”.

Só em fevereiro, quinze projetos, a maioria na Câmara, foram protocolados por parlamentares bolsonaristas que tentam a todo custo reverter as restrições impostas pelo governo. Uma das grandes dificuldades, contudo, é o avanço na tramitação das propostas, que precisam de uma negociação ampla para entrarem em votação nas duas Casas, comandadas por Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), atualmente alinhados com a base governista.
Boa parte da chamada “bancada da bala”, como é conhecido o movimento armamentista na Câmara, também está sendo pressionada por atiradores e pela extrema direita. As cobranças pessoais e públicas, por meio das redes sociais, por exemplo, atingem tanto a esfera econômica, por enxergarem um risco ao funcionamento das empresas que atuam com o tiro esportivo, quanto a área ideológica. Conservadores veem o decreto como uma afronta ao referendo realizado em 2005, quando 63% dos brasileiros votaram a favor do comércio de armas no país.
A mobilização reúne a maior parte do parlamento alinhada à política popularizada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, responsável pela flexibilização do porte e da posse de armas, além da compra exarcebada de munição. Para o deputado Daniel Freitas (PL-SC), um dos articuladores da frente armamentista, o decreto atinge a pratica de tiro esportivo e quem vive desse nicho no mercado. “Lembrando que esse decreto não é o definitivo, é apenas provisório. Quando o definitivo for publicado, a tendência é que o acervo de alguns CAC’s se torne ilegal. Como ainda não se sabe o que virá, pois não há nada em definitivo, as pessoas estão pisando em ovos por conta da falta de informação e insegurança jurídica”.
A maioria das iniciativas partiu de membros do PL e são muitos os correligionários empenhados na tentativa do questionar o “revogaço”, entre eles Carol de Toni (PL-SC), Daniela Reinehr (PL-SC), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Jorge Goetten (PL-SC). Além da frente legislativa, a via judicial também deve ser acionada mesmo após a decisão de Gilmar Mendes, conforme apurou a ISTOÉ.
Outra justificativa utilizada é a de que a segurança pública não pode ser confundida com a prática de tiro esportivo. Mais de 2 mil clubes de tiro estão ativos no Brasil. Desse total, quase metade foi fundada entre 2019 e 2022. O legado deixado pelo último governo também reflete no número de armas nas mãos de particulares: houve um aumento exponencial de 1,3 milhão para 2,9 milhões durante a gestão Bolsonaro. “Estamos buscando as medidas judiciais cabíveis, inclusive já foi derrubado o decreto via liminar, que de forma incrivelmente célere foi suspensa com decisão para interromper qualquer julgamento a respeito, deixando a sensação de inibição e cerceamento de defesa”, pontuou a deputada Daniela Reinehr (PL-SC).

A herança armamentista
No último levantamento divulgado pelo governo, menos de 10% das mais de 800 mil armas registradas em nome de CACs haviam sido recadastradas. Há nos bastidores um receio de apreensões em massa a partir de abril. “É o recadastramento que vai permitir que a gente dimensione o programa de recompra. Agora as pessoas não ficarão com armas ilegais no Brasil, não ficarão!”, enfatizou Flávio Dino ao reforçar, durante coletiva, que o prazo final encerra em março.
Por ora, mesmo com as tentativas nas vias legislativa e judicial, ainda pairam dúvidas nos setores que acusam o governo de excesso de burocracia para dificultar o acesso a armas. “Precisa haver uma reunião não somente no Poder Legislativo, mas da sociedade como um todo para que haja debate e seja encontrado um ponto de equilíbrio a esse respeito”, frisou o deputado Jorge Goetten (PL-SC). Uma coisa é inquestionável. O governo Lula está no caminho certo para coibir o uso indiscriminado de armas no País.