28/04/2023 - 9:30
Integrada em sua maioria por juízes conservadores, a Suprema Corte dos EUA acaba de cometer uma incoerência para esconder uma vergonha. Ela manteve a liberação do medicamento mifepristona, que pode ser legalmente adquirido para interrupção voluntária da gravidez. A decisão de mantê-lo liberado é acertada, até porque tem o aval da FDA desde 2000. A incoerência está no fato de a mesma Suprema Corte ter derrubado há dez meses a proteção constitucional ao aborto voluntário, que vigorava desde 1973. A mulher abortava em clínicas ou hospitais. Por meio da medicação, na maioria das vezes põe fim à gestação em casa. Embora estudos científicos assegurem que a mifepristona não traz riscos de intercorrências clínicas prejudiciais à saúde, a opção anterior valorizava mais a cidadania feminina, ainda que essa mesma substância fosse utilizada no procedimento. A vergonha que se tentou varrer para debaixo do tapete são as revelações de que o juiz Clarence Thomas, conservador, aceitava passeios pagos por um magnata. Isso lesou a imagem do tribunal. Com a decisão da semana passada sobre o aborto, a Corte tenta recuperar prestígio pelo menos junto aos norte-americanos liberais.
Projeto no chão

A decisão da Corte derrubou o plano do governador da Flórida, Ron DeSantis (foto), de proibir o aborto com mifepristona após seis semanas de gestação – uma de suas bandeiras para tentar chegar à Casa Branca.
RELIGIÃO
A CNBB retoma a crítica política

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), uma das mais fortes entidades católicas da América Latina, realizou na semana passada, na cidade paulista de Aparecida, a sua 60ª Assembleia Geral em 70 anos de existência. O tom político que a marcou foi dado pelo presidente da CNBB, o arcebispo de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo. Citando expressão do papa Francisco, já na abertura ele referiu-se aos últimos quatro anos vividos no Brasil como “uma barca na travessia”. Sem pronunciar o nome do ex-mandatário Jair Bolsonaro, ficou claro que as críticas eram para ele: “foram os quatro anos mais difíceis nas sete décadas da CNBB”. Dom Walmor responsabilizou pelos ataques em escolas as lideranças políticas que “fomentam ódio e desavenças” — e incentivam o uso de armas. Ressaltou que cabe à CNBB participar da criação de uma “nova cultura social e política”. Até os sinos das igrejas entenderam o recado. Na terça-feira 25, dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre, foi eleito novo presidente da CNBB.
SOCIEDADE
CNJ exige o fim dos manicômios

Os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (manicômios judiciários) são instituições estaduais para as quais a Justiça destina, por medida de segurança e não por sentença penal condenatória, pessoas com transtornos e doenças mentais que cometem crimes, sem que o ato delituoso possa ser a elas imputado — não possuem pleno entendimento da antijuridicidade de suas ações. Na semana passada, o Conselho Nacional de Justiça fixou o final de maio de 2024 para que todas essas Casas de Custódia sejam desativadas, fazendo cumprir a Lei Antimanicomial. Segundo a legislação, o acolhimento deve ser feito pela Rede de Atenção Psicossocial (Raps). A questão é polêmica: 1) Doenças e transtornos mentais não podem e não devem ser criminalizados. Nesse sentido, a Raps não estigmatiza os pacientes, ao contrário dos manicômios que geralmente se tornam depósitos de gente abandonada: governantes não investem no cuidado da saúde mental porque isso não lhes rende votos. 2) Falar em Raps significa falar no Sistema Único de Saúde, e o SUS não tem condições (em instalações e suporte clínico) de absorver os pacientes.
DIREITOS HUMANOS
ONU vem ao País para investigar crime contra negros e indígenas

A queniana Alice Wairimu Nderitu é Conselheira Especial das Nações Unidas. Ela deve chegar ao Brasil na terça-feira 2 e, durante dez dias, realizará a missão de investigar riscos do crime de genocídio contra as populações negra e indígena. A inédita visita oficial foi autorizada pelo governo Lula com a intenção de reforçar o compromisso da administração com a agenda de Direitos Humanos e fortalecer políticas públicas nesse campo. Para além das atividades formais que Alice terá de desempenhar, deverá visitar comunidades que, sob a presidência de Jair Bolsonaro, passaram por situações de agressão e precariedade. Como, por exemplo, os povos yanomami, na região Amazônica, guarani-kaiowá, em Dourados, no Mato Grosso do Sul, e algumas favelas do Rio de Janeiro.