A Associação Brasileira do Sono fez uma pesquisa que aponta que 60% dos brasileiros dormem menos de sete horas por noite, e 23% da população do Estado de São Paulo se queixa de sono insuficiente, pouca quantidade de horas dormidas ou falta de qualidade desse sono.

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Em julho do ano passado, entrou em vigor no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, a primeira portaria do país que determina que as escolas de ensino médio comecem suas aulas a partir das 8h30. Essa lei foi embasada por um estudo que aponta mudanças biológicas significativas na puberdade afetadas diretamente pela falta de sono.

Caracterizada por tempo de sono inferior ao ideal, que pode variar entre oito e nove horas por noite, a privação de sono pode levar a sintomas diurnos como sonolência, fadiga, diminuição de memória e de atenção. “Quando essa falta se torna frequente, pode afetar a concentração, e em sala de aula, não será possível a absorção do conteúdo proposto, com consequências que podem ocasionar falta de memória, falta de entusiasmo, humor reduzido, ficando mais suscetível à depressão”, explica o psicólogo Roberto Luiz Júnior.

Assim como nos Estados Unido, no Brasil também existe um movimento de profissionais da saúde, pais e educadores que pede o atraso do horário escolar, para, pelo menos, 8h30. Na Câmara dos Deputados chegou a tramitar um Projeto de Lei que propunha essa mudança em escolas públicas e privadas de todo o País. Porém, o projeto que era do então deputado Marcelo Belinati (PP) foi arquivado em 2017.

EM DEBATE Estudo analisa sono de adolescentes e aponta que escolas deveriam começar as aulas mais tarde (Crédito:ALOISIO MAURICIO)

O pesquisador e médico do Instituto do Sono, Gustavo Moreira, aponta que os adolescentes precisam dormir em média nove horas e cita um fenômeno nessa idade chamado de débito do sono. “Antes da adolescência, a criança é matutina. Depois dos 12 anos, quando entra na adolescência, se torna vespertina. Então os garotos se tornam biologicamente mais vespertinos, gostam de dormir tarde e acordar tarde, tem uma exposição excessiva à luz e, além disso, fisiologicamente a pressão do sono nessa fase é menor, ele tem menos predisposição para dormir”, pontua.

Atrasar em uma hora o início das aulas para adolescentes ajudou a melhorar o desempenho acadêmico e teve impacto no humor dos estudantes, segundo estudo feito no Brasil e publicado na revista científica Sleep Health. Especialistas destacam a importância, especialmente nessa fase, da qualidade do sono para a memória e absorção dos conhecimentos aprendidos em aula. Para os adolescentes, a Associação Brasileira do Sono e a Associação Brasileira de Medicina do Sono recomendam dormir pelo menos oito horas por noite.

A adolescente Gabriela Diniz, apesar de acordar às 5h50 para ir à escola, diz que não sente muito a ausência de sono, até porque vai dormir no máximo às 21h, mas ela conta que boa parte de seus colegas não gostam de acordar cedo. “Eu durmo cedo, por isso não tenho muita dificuldade para levantar, mas quando vou dormir mais tarde me sinto mais cansada na escola. Meus amigos, uma parte deles, reclamam e não gostam desse horário de aula”, declara.

Nessa fase, o ciclo circadiano sofre grandes alterações, o que faz com que o indivíduo precise de mais tempo para reparação. Nem sempre adianta só ir se deitar mais cedo.

“O adolescente que não dorme bem é mais vulnerável às doenças psiquiátricas, além de ser um fator de risco para obesidade” Fábio Cantinelli, psiquiatra da Clínica Maia

“O adolescente que não dorme bem é mais vulnerável às doenças psiquiátricas, além de ser um fator de risco para obesidade”, observa Fábio Cantinelli, psiquiatra da Clínica Maia.

No estudo feito em uma escola de Palotina, no Paraná, os pesquisadores observaram que nas três semanas em que 48 adolescentes do ensino médio foram avaliados quando as aulas começaram às 8h30 tiveram menos sono e uma melhora no humor. Quando as aulas retornaram ao horário normal, 7h30, os alunos não relataram mais os benefícios.

“Apesar de não ver tanto problema em estudar pela manhã, seria bem melhor se aulas começassem um pouco mais tarde.”, declara a estudante de 15 anos, Marina Anaia.

É nessa fase também o único momento da vida do ser humano no qual se tem menos circulação da dopamina, o hormônio responsável pela saciedade, pelo prazer e pelo contentamento, no chamado sistema de ‘recompensa’. A ‘deficiência’ pode deixar os jovens com sentimentos mais negativos, e um bom sono pode ajudar nisso.

“É muito difícil que o adolescente tenha uma boa noite de sono se tiver que chegar à escola às 7h. Ele teria que dormir por volta das 21h para acordar às 6h. Por isso, a mudança no horário das aulas na Califórnia parece ser uma boa ideia”, avalia o coordenador da internação pediátrica do hospital Mater Dei Contorno, André Bicalho Lima.