24/11/2022 - 9:30
O cinema viveu uma revolução nos anos 1970. O sucesso de filmes como O Poderoso Chefão, Tubarão e Guerra nas Estrelas tirou o poder dos burocratas dos grandes estúdios e deu a uma jovem e ambiciosa geração de diretores a chave do cofre para levar adiante seus projetos disruptivos. A partir daí, quem passou a dar as cartas em Hollywood foram nomes como Steven Spielberg, Martin Scorsese, George Lucas e Francis Ford Coppolla, cineastas mais interessados em contar boas histórias do que em faturar alto – o lucro veio naturalmente. Nas décadas de 1990 e 2000, um movimento semelhante ocorreu em direção à TV, graças à liberdade dos canais a cabo HBO, FX e AMC. A nova cena atraiu mentes como David Chase, Matthew Weiner e Vince Gilligan, entre outros, em busca um conceito novo: as séries. Os Sopranos, Breaking Bad, Mad Men e demais produções elevaram a qualidade do conteúdo televisivo a níveis inéditos.
Hoje, com a consolidação do streaming, temos um excitante momento em que essas gerações se encontram e dão origem a um cenário híbrido. Além das verbas gordas, o interesse de ídolos do cinema por séries tem outra razão: a “adolescentização” das plateias. Já faz tempo que no topo das bilheterias estão os filmes dedicados a super-heróis. Em 2022, com exceção de Top Gun e Elvis, a lista traz Batman, Thor, Doutor Estranho, Adão Negro e Pantera Negra, além das animações infantis Lightyear, Minions e Sonic. De olho nesse público, os grandes complexos de salas de cinema reduziram a exibição de produções para adultos. Aos diretores interessados na qualidade, restou uma única opção: as plataformas de streaming, cujos cofres engordaram com a pandemia.

O anúncio mais surpreendente veio de Quentin Tarantino, um enfant terrible que sempre enfatizou seu respeito pelo cinema tradicional e a reverência aos grandes clássicos. Basta lembrar que Era uma Vez em Hollywood, seu filme mais recente, é uma declaração de amor a Hollywood dos anos 1970. Pois Tarantino anunciou essa semana que dirigirá uma série de oito episódios em 2023. Em seu podcast The Video Archives, o diretor de Pulp Fiction afirmou que o cinema atual vive a pior fase da história, “juntamente aos filmes produzidos nos anos 1950 e 1980”. E aproveitou para alfinetar os filmes de super-heróis: “Esse monte de atores que ficaram famosos interpretando esses personagens não são estrelas de cinema. Capitão América e Thor são os astros, não os atores. Não sou o primeiro a falar isso, todo mundo da indústria cinematográfica sabe.”

Outro crítico do streaming que surpreendeu ao anunciar o envolvimento com uma série no ano que vem foi Martin Scorsese. Ele será o produtor executivo e dirigirá os dois primeiros episódios de Gangues de Nova York, versão estendida de seu filme de 2002. O roteiro será feito em parceria com o roteirista Brett Leonard. “Essa época da história e a herança da América é rica em personagens e tramas que não poderíamos explorar completamente em um filme de duas horas”, disse Scorsese à imprensa norte-americana. “Uma série de TV nos proporciona tempo e liberdade criativa para dar vida a esse mundo colorido, com todas as implicações que ele teve e ainda tem em nossa sociedade.”

Entre os grandes nomes que acabam de estrear no streaming está Tim Burton, famoso por Edward, Mãos de Tesoura e O Estranho Mundo de Jack. Sua nova produção já está disponível na Netflix: Wandinha, inspirada na personagem soturna da Família Addams. “Tudo simboliza a forma como me sinto em relação às famílias, de maneira geral. Acho que todas elas são estranhas. Adoro Wandinha porque ela compartilha a minha visão do mundo”, afirmou Burton. “Queria criar um mundo onde esses personagens estão em uma realidade aumentada. Isso fala comigo em todos esses níveis.” O produtor executivo Miles Millar explicou como convenceu os cineastas a entrarem para o mundo das séries: “Tim Burton tinha muitas perguntas sobre esse universo. Ele gostou de saber que teria tempo para explorar a história e não precisaria encerrar as coisas em uma hora e quarenta e cinco minutos. Nossa ambição como produtores era tornar a série um filme de oito horas de Tim Burton.”