LIÇÕES
Ian McEwan
Companhia das Letras
Preço: R$ 99

Ian McEwan e Julian Barnes, dois dos maiores ficcionistas britânicos da atualidade, possuem trajetórias semelhantes na vida real. Baby boomers nascidos em plena festa da vitória dos aliados sobre Adolph Hitler – Barnes é de 1946, McEwan, de 1948 –, ambos foram indicados quatro vezes ao Man Booker Prize, o prêmio literário mais prestigiado da Inglaterra. Cada um levou a honraria uma vez: McEwan, por Amsterdam, em 1998; Barnes, por O Sentido do Fim, de 2011.

A história desses dois mestres em Literatura – McEwan estudou na Universidade de Sussex, Barnes graduou-se no Magdalen College, em Oxford – volta a se encontrar por acaso nesse final de 2022, período em que ambos estão publicando novos trabalhos. Chama a atenção o teor coincidentemente semelhante desses lançamentos, duas biografias ficcionais e ambas com professoras como destaque. Lições, de McEwan, narra a vida de Roland Baines, um homem cuja infância foi marcada pela vulnerabilidade diante de uma cruel instrutora de piano, relação que lhe deixou marcas profundas pelo resto da vida. O novo livro de Barnes, por sua vez, Elizabeth Finch, também aborda a vida de uma professora, a personagem que dá título à obra. Ela não é manipuladora e não leciona música, mas é um exemplo para os alunos de um curso de Cultura e Civilização. A obra é contada a partir do ponto de vista de um estudante, que a idolatra.

Lições retoma o fôlego romancista que McEwan havia perdido na última década, quando desperdiçou tempo com trabalhos menores, como Enclausurado e Máquinas Como Eu. Eram livros abaixo da sua qualidade habitual não por se tratarem de narrativas mais curtas, mas porque haviam partido de premissas fracas para um escritor do seu quilate. Os dois estavam a milhas de distância da obra-prima que ele lançara em 2001, o espetacular Reparação. Lições, portanto, retoma o esteta ambicioso em busca de uma obra perene. Aqui ele atinge seu objetivo: ao longo de mais de 560 páginas, McEwan se aventura pela história da segunda metade do século 20, combinando um enredo de dramas humanos em meio a eventos históricos que influenciaram a vida dos europeus, da crise dos mísseis em Cuba ao acidente nuclear na usina de Chernobyl, passando pela queda do muro em Berlim.

ELIZABETH FINCH
Julian Barnes
Rocco
Preço: R$ 59 (Crédito:Divulgação)

Visões de mundo

De forma intencional ou não, há momentos em que o relato ficcional parece se misturar à memória autobiográfica: além de citar a infância do protagonista no pós-Segunda Guerra, McEwan situa sua juventude no Norte da África, características que o aproximam de sua própria experiência pessoal. A maneira como McEwan transita entre a ficção e a realidade tornam Baines uma espécie de testemunha ocular da história, aproximando o leitor de suas emoções e sentimentos. Por meio de um terceiro, McEwan usa a fantasia para vocalizar suas opiniões sobre fatos e suas consequências.

Julian Barnes, em Elizabeth Finch, utiliza uma ferramenta semelhante para falar sobre suas próprias crenças. O livro é contado por Neil, um ex-aluno da protagonista para quem ela deixa seus escritos e diários ao morrer. O aluno-narrador passa, então, a compor um retrato fragmentado da vida da mulher enigmática que o cativara na sala de aula. É aí que entra a sacada de Barnes: por meio do objeto de estudo de Elizabeth, surge Juliano, o Apóstata, último imperador pagão de Roma. O autor apresenta seu ponto de vista sobre o olhar que a sociedade tem em relação aos mitos coletivos. Assim como McEwan, Barnes utiliza a imaginação para discorrer sobre sua própria visão de mundo. Quem sai ganhando com isso somos nós, leitores, que aprendemos não apenas o valor da boa leitura, mas também o dos bons mestres.