De olho na próxima reunião do Copom, nos dias 21 e 22, o ministro da Fazenda corre contra o tempo para reunir apoio à nova âncora fiscal, que sua equipe desenvolveu para substituir o teto de gastos, já enterrado na prática pela gestão Bolsonaro. Fernando Haddad tem pressa porque deseja influenciar o comitê do Banco Central que decidirá sobre a eventual queda das taxas de juros. Entre dúvidas e algumas certezas, Haddad tenta conciliar desejos políticos e expectativas do mercado, por isso tem conversado com outros ministros, reuniu-se com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e teve um encontro com o presidente da Câmara, Arthur Lira. Pouco foi vazado, além do fato de que não haverá meta para a dívida e existe o objetivo de reduzir o déficit público – que pode ser zerado já no próximo ano. Já se sabe que as novas regras não serão tão rígidas quanto o teto de gastos implantado no governo Temer.

Quando for aprovado por Lula, o novo arcabouço fiscal poderá ser redigido em 24 horas e enviado em seguida ao Congresso. Pelo menos é o que afirma Haddad. Mas, antes disso, o ministro quer ter o respaldo dentro da gestão. O vice-presidente e também ministro do Desenvolvimento e Indústria, Geraldo Alckmin, foi o primeiro ler o projeto e gostou do que viu, após encontrar-se com o Haddad. É um sinal positivo, já que o ex- governador de São Paulo é um conhecido defensor da responsabilidade fiscal. Tudo o que os agentes financeiros desejam é que o governo se comprometa com o controle da dívida pública, evitando um descontrole fiscal que leve a mais inflação e, consequentemente, force o Banco Central a manter os juros em patamares altos.

ALVO Equipe econômica quer pressionar o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, para que os juros caiam (Crédito:Mateus Bonomi )

Haddad deseja fazer isso sem impedir investimentos nem engessar os gastos sociais, substituindo o regime de teto de gastos que proíbe o crescimento das despesas acima da inflação registrada no ano anterior. A discussão no ministério passou pelas possibilidades de atrelar gastos a indicadores por habitante e de criar meta de despesa por beneficiário atendido por programas do governo. Haddad ainda deve mostrar como vai conciliar as despesas com a arrecadação, conseguindo zerar o rombo nas contas federais em 2024 – pelo menos é o que membros do governo têm apostado. Para 2023, o titular da Fazenda sustenta que o déficit ficará abaixo de R$ 100 bilhões, número bastante inferior aos R$ 232 bilhões previstos no Orçamento deste ano.

Se Haddad conseguir emplacar seu projeto, será um passo decisivo para o governo conquistar o apoio do mercado financeiro na política econômica. Mas ainda há mais dúvidas do que confiança. Para o ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações do governo FHC Luiz Carlos Mendonça de Barros, essa demora em anunciar a nova âncora fiscal é uma estratégia para ganhar tempo, para cozinhar o mercado em banho maria. “O Haddad tem uma missão impossível, porque o que o mercado, economistas e empresas querem o PT nunca vai aprovar. Por isso que ele está demorando tanto para anunciar”, afirma.

A nova regra fiscal pode ser montada de várias formas, desde que siga princípios essenciais, apontam Manoel Pires, Bráulio Borges e Carolina Resende, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE) em uma carta desenvolvida para explicar os caminhos que as novas regras fiscais devem discorrer. Para eles, os principais desafios estão nas discussões sobre políticas públicas, que ainda estão em aberto e que podem interferir na definição da nova regra. Mendonça de Barros também acredita que o maior entrave do projeto é achar o meio termo entre o desejo político-partidário e o que o mercado anseia. “O ministro está tentando achar o meio termo que não existe. Por que de um lado se tem o PT com a Gleisi Hoffmann, outro tem o Lula querendo o governo populista e do outro está o Haddad, que está morrendo de medo porque a hora que ele disser o que vai fazer, essa contradição vai aparecer”, avalia Mendonça.

Há alguns pontos que devem ser levados em conta na discussão do novo arcabouço fiscal, segundo os pesquisadores do IBRE. Um deles é que o teto de gastos tem várias exclusões de itens de despesa, como as do Fundeb e do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), os gastos do TSE com as eleições, as transferências constitucionais para estados e municípios e os créditos extraordinários. Se, como se imagina, o novo conjunto de regras fiscais terá um mecanismo de controle do aumento do gasto, é preciso decidir se este será mais abrangente do que o teto, ou se terá também as atuais exclusões, ou outras. Para os especialistas, a regra fiscal deve prever situações atípicas (como a pandemia), mas é importante que seja garantida a sustentabilidade de longo prazo. É preciso que a regra, principalmente no caso de um país (como o Brasil) no qual o ponto de partida é a insustentabilidade da dívida pública, seja acompanhada por planejamento fiscal de médio e longo prazo, possibilitando o ganho de credibilidade ao longo do tempo.

Haddad tem uma tarefa hercúlea pela frente. Além de ganhar credibilidade apresentando regras factíveis, precisa lidar com a ala política do governo, liderada pelo PT, que só se preocupa com o aumento de gastos e ainda tenta transformar o Banco Central em bode expiatório das dificuldades da gestão – o PIB está em desaceleração, e poucos apostam em uma expansão este ano superior a 1%. “Para um arcabouço fiscal ser bem-sucedido ele precisa ser simples, de fácil entendimento, obrigatório e controlável. No caso brasileiro tem que ter um controle de gastos, que me parece ser o caso desse projeto do ministro”, afirma o ex-ministro Mailson da Nóbrega. Em relação ao espaço fiscal, para o trio de pesquisadores é crescente a percepção de que ele não é um conceito constante ou imutável no tempo, e pode mudar com as variações da arrecadação e os gastos estruturais que um governo pretende promover, com a taxa de crescimento da economia e com as condições de mercado que definem as taxas de juros. Dessa forma, para que o novo arcabouço fiscal tenha êxito deve ter alguma flexibilidade para definir parâmetros de suas regras ao longo do tempo e permitir que os governos possam conduzir a política fiscal em consonância com seus objetivos políticos. “É muito difícil pensar em regra fiscal que dê sustentabilidade à evolução da dívida pública sem definição exata de diversos aumentos de gasto discutidos pelo governo”, diz Bráulio Borges, pesquisador do FGV IBRE.