06/04/2023 - 9:30
Cerca de 10 milhões de pessoas no Brasil vivem em 40 mil pontos de alto risco de tragédias ambientais. Os número são do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). A instituição, dedicada a alertas prévios e boletins do impacto humano e material desses desastres, tem números bem apurados que indicam o esgotamento do discurso que se ouve ano após ano, de que um determinado recorde de chuvas numa região pegou todo mundo de surpresa e causou mortes lamentáveis.
É preciso contemplar o que aconteceu com as pessoas nas tragédias deste ano e fazer uma projeção do que pode acontecer nas mesmas áreas em 2024. “Essa população precisa passar por esse crivo imediato”, diz Carlos Fanton, presidente da Federação Nacional dos Conselhos de Meio Ambiente. “É necessário um diagnóstico, um inventário com áreas de risco. Com um histórico, a gente sabe o que vai acontecer. Morre gente todo ano, não dá para continuar assim, ano após ano.”

Nos últimos 40 anos, a condição climática está pesando muito mais nessa situação, pelo desenvolvimento desenfreado das cidades, numa ocupação territorial sem planejamento. São Paulo, por exemplo, fez o planejamento optando por acessos a vias e ruas asfaltadas, o que levou a uma ocupação da área de bacia de inundação dos rios Tietê e Pinheiros. Uma concepção errada, que faz com que qualquer chuva forte na periferia seja um problema potencializado. De 2021 até agora, só no Estado de São Paulo foram registradas 500 mortes oriundas de desastres ambientais.
Grandes cidades têm seu Plano Diretor discutido a cada dez anos. A partir dele, se desenha a ocupação de todo o território e os investimentos destinados a várias áreas. Existe um documento chamado Carta de Risco do Município, que levanta as áreas de proteção ambiental, como cursos d’água, mata ciliar, topos de morro. E nelas são feitas ocupações irregulares, sem planejamento. “Os políticos são coniventes”, diz Fanton. “Muitos vereadores querem fazer curral eleitoral. Deixam ocupar para depois o cara ir lá pedir para colocar energia elétrica, água, saneamento… O custo é altíssimo para a cidade e as pessoas passam a habitar áreas de risco.”
Segundo o gestor ambiental, as prioridades políticas atrapalham o desenvolvimento de um planejamento urbano também de outras formas. Como, por exemplo, as obras de saneamento. “Ah, tubos por baixo da terra não aparecem, né? Então os governantes querem inaugurar creches e postos de saúde, que certamente são necessários. Mas o cara prefere fazer um monte de postos de saúde para ficar cuidando de doenças oriundas da falta de saneamento, no qual ele não investiu. Remanejar recursos para saneamento diminui a demanda futura de orçamento da saúde, e o dinheiro pode sustentar outras ações.”
Quanto às tragédias no litoral, nas cidades de turismo forte e casas de população abastada, os trabalhadores locais vivem em bairros mais afastados da praia e ocupam encostas e topos de morro. É essencial criar uma prioridade de transferência desses trabalhadores, mas sem gerar gentrificação, ou seja, o deslocamento para moradias muitos distantes de seus locais de trabalho. O maior tempo gasto no trasnporte do dia a dia, e também seu custo, levaria todos a uma vida desestruturada, desconectada da que eles tiveram até hoje.
Um recurso que poderia ser utilizado para enfrentar esse problema consiste na outorga onerosa. Trata-se de um instrumento urbanístico no qual quem investe num grande empreendimento imobiliário, como, por exemplo, a construção de um grupo de torres residenciais e comerciais, se compromete a construir também um conjunto habitacional em área próxima, para acomodar trabalhadores que prestarão serviços nas torres. Por consequência, o comércio local e alguma estutura de atividades serão incentivados naturalmente.
Enquanto as transformações mais profundas não acontecem, há o alento da criação de um fundo global para ajuda financeira a tragédias oriundas de questões ambientais. Ele foi criado na última reunião anual da ONU para o Meio Ambiente, a COP27, em novembro do ano passado, no Egito. Para receber recursos, a localidade passa um levantamento mundial que está sendo monitorado por uma empresa asutraliana. A ideia é evitar repasse de dinheiro seguidamente a cidades que registrem problemas todos os anos.
Depois do desastre

Quando a calamidade irrompe, as ações de emergência precisam utilizar o máximo possível de instrumentos prévios. Áreas e galpões de suporte para as vítimas, com atendimento médico e emocional, já devem estar prontos para funcionar. O treinamento da população é essencial para que, ao primeiro indício de tragédia, as famílias já saibam para onde devem ir e o que levar para esses centros de atendimento. Esse primeiro sinal pode ser o aviso de sirenes que disparem com a elevação do nível das chuvas. A segurança pública deve garantir proteção aos centros de abrigados e também às lojas e casas fechadas, para evitar saques e furtos.