Se no passado poucas pessoas tinham dinheiro para viajar o mundo e assim ter contato com diferentes tendências, culturas e tecidos, hoje a indústria da moda é acessível a todos os interessados por ela — e isso acontece em tempo real. Com a popularização de redes sociais, como o Instagram e o TikTok, o usuário passou a ditar o que quer vestir, produzindo conteúdo fashion de qualidade e impossível de ser ignorado pelas principais passarelas do planeta.

JOVENS SEGUIDORES Dolce & Gabbana apela para a influenciadora Kim Kardashian enquanto Sabrina Sato é convidada de honra da semana de moda de Paris (abaixo). (Crédito:Miguel Medina)

Se já era visível que os grandes estilistas não poderiam mais ignorar os influenciadores em suas apresentações, nem que fosse na plateia, agora o estilo de se vestir das plataformas digitais – geralmente espalhafatoso, pouco prático e feito para chocar – também passa a fazer parte das coleções ready-to-wear de grifes como Burberry, Balenciaga e Dolce & Gabbana. Marcas centenárias como Ermenegildo Zegna e Hugo Boss, que lutam pela reinvenção, agora possuem linhas chamadas apenas de Zegna e Boss, respectivamente, lapidadas para facilitar a pronuncia e o apelo entre os membros da Geração Z.

A Zegna foca nos adolescentes (Crédito:Divulgação)

Tanta modernidade, entretanto, nem sempre conquista bons resultados, como um saldo positivo nas vendas, por exemplo. A baixa rentabilidade da grife britânica Burberry é, aliás, um dos motivos que levaram a uma troca surpresa do diretor criativo da marca, o italiano Riccardo Tisci, que passou cinco anos no comando da casa. Apesar do anúncio conjunto e amigável entre as partes, Tisci foi aparentemente demitido (ou pediu para sair após não ter mais liberdades para criar) logo após mostrar seu último desfile, no final de setembro. A Burberry, um dos nomes mais tradicionais do Reino Unido, estava praticamente irreconhecível na passarela, com modelos vestindo peças confusas enquanto caminhavam com chinelos de dedos futuristas. Se o desfile em si não foi a causa da saída, ele pode ter sido a gota d’água. Desde 2020 suas coleções vinham sendo bastante criticadas, principalmente na internet. “Eu não reconheço mais a Burberry, não é feio, mas não é a Burberry”, escreveu um usuário nos comentários na página do Instagram da marca.

O trabalho de Tisci foi inovador em muitos sentidos e, sob seu comando, a britânica deixou de ser “quadradona” e ganhou novas estampas. Essa marcha em direção ao futuro deve continuar com o sucessor de Tisci: o estilista Daniel Lee, badalado nome da moda inglesa responsável por transformar a italiana Bottega Veneta, grife que praticamente resgatou do ostracismo. Lee, vale ressaltar, tem somente 36 anos e uma carreira promissora pela frente. Se o seu talento e juventude irão balancear o universo do TikTok com a alta costura ainda é cedo para saber, e como a troca de profissionais foi feita às pressas, o impacto da transição deve demorar para chegar às vitrines.

A constante necessidade de agradar aos jovens é válida, mas toca em uma questão fundamental para a indústria, as vendas. Atualmente são poucos os millennials que possuem condições financeiras de adquirir produtos de luxo e os mais velhos acabam se sentindo acuados diante de lançamentos berrantes. Para Lorenzo Merlino, estilista e professor do curso de Moda do Centro Universitário FAAP, a modernização de qualquer processo, seja qual for, sempre vai passar uma ideia inicial de algo incorreto, estranho e alternativo. “Acho que modernizar é forçar, se você não forçar algo, você não moderniza. A inovação não é um processo orgânico, ela não acontece independente da nossa vontade e exige um esforço de aceitação”, diz.

Ele explica que uma das marcas que conseguiu captar o espírito das redes sociais e ainda lucrar muito com isso foi a italiana Gucci. “No começo todo mundo achou estranho e hoje está super absorvido, é um sucesso de vendas”, diz. A Hugo Boss, respeitada por seus ternos elegantes, bem como a Ermenegildo Zegna, também têm tentado emplacar novas identidades visuais: modelos com aparência de adolescentes e celebridades conhecidas apenas nos vídeos de dancinhas – como o tiktoker Khaby Lame – são agora os protagonistas. As grifes, embora ainda trabalhem com o público mais velho, não dedicam mais publicidade aos veteranos. Quem quiser um terno solto, como os usados pelo seu avô – provavelmente terá que ir até o fundo da loja para encontrá-lo.