07/10/2022 - 9:30
Se no passado poucas pessoas tinham dinheiro para viajar o mundo e assim ter contato com diferentes tendências, culturas e tecidos, hoje a indústria da moda é acessível a todos os interessados por ela — e isso acontece em tempo real. Com a popularização de redes sociais, como o Instagram e o TikTok, o usuário passou a ditar o que quer vestir, produzindo conteúdo fashion de qualidade e impossível de ser ignorado pelas principais passarelas do planeta.


Se já era visível que os grandes estilistas não poderiam mais ignorar os influenciadores em suas apresentações, nem que fosse na plateia, agora o estilo de se vestir das plataformas digitais – geralmente espalhafatoso, pouco prático e feito para chocar – também passa a fazer parte das coleções ready-to-wear de grifes como Burberry, Balenciaga e Dolce & Gabbana. Marcas centenárias como Ermenegildo Zegna e Hugo Boss, que lutam pela reinvenção, agora possuem linhas chamadas apenas de Zegna e Boss, respectivamente, lapidadas para facilitar a pronuncia e o apelo entre os membros da Geração Z.

Tanta modernidade, entretanto, nem sempre conquista bons resultados, como um saldo positivo nas vendas, por exemplo. A baixa rentabilidade da grife britânica Burberry é, aliás, um dos motivos que levaram a uma troca surpresa do diretor criativo da marca, o italiano Riccardo Tisci, que passou cinco anos no comando da casa. Apesar do anúncio conjunto e amigável entre as partes, Tisci foi aparentemente demitido (ou pediu para sair após não ter mais liberdades para criar) logo após mostrar seu último desfile, no final de setembro. A Burberry, um dos nomes mais tradicionais do Reino Unido, estava praticamente irreconhecível na passarela, com modelos vestindo peças confusas enquanto caminhavam com chinelos de dedos futuristas. Se o desfile em si não foi a causa da saída, ele pode ter sido a gota d’água. Desde 2020 suas coleções vinham sendo bastante criticadas, principalmente na internet. “Eu não reconheço mais a Burberry, não é feio, mas não é a Burberry”, escreveu um usuário nos comentários na página do Instagram da marca.
O trabalho de Tisci foi inovador em muitos sentidos e, sob seu comando, a britânica deixou de ser “quadradona” e ganhou novas estampas. Essa marcha em direção ao futuro deve continuar com o sucessor de Tisci: o estilista Daniel Lee, badalado nome da moda inglesa responsável por transformar a italiana Bottega Veneta, grife que praticamente resgatou do ostracismo. Lee, vale ressaltar, tem somente 36 anos e uma carreira promissora pela frente. Se o seu talento e juventude irão balancear o universo do TikTok com a alta costura ainda é cedo para saber, e como a troca de profissionais foi feita às pressas, o impacto da transição deve demorar para chegar às vitrines.
A constante necessidade de agradar aos jovens é válida, mas toca em uma questão fundamental para a indústria, as vendas. Atualmente são poucos os millennials que possuem condições financeiras de adquirir produtos de luxo e os mais velhos acabam se sentindo acuados diante de lançamentos berrantes. Para Lorenzo Merlino, estilista e professor do curso de Moda do Centro Universitário FAAP, a modernização de qualquer processo, seja qual for, sempre vai passar uma ideia inicial de algo incorreto, estranho e alternativo. “Acho que modernizar é forçar, se você não forçar algo, você não moderniza. A inovação não é um processo orgânico, ela não acontece independente da nossa vontade e exige um esforço de aceitação”, diz.
Ele explica que uma das marcas que conseguiu captar o espírito das redes sociais e ainda lucrar muito com isso foi a italiana Gucci. “No começo todo mundo achou estranho e hoje está super absorvido, é um sucesso de vendas”, diz. A Hugo Boss, respeitada por seus ternos elegantes, bem como a Ermenegildo Zegna, também têm tentado emplacar novas identidades visuais: modelos com aparência de adolescentes e celebridades conhecidas apenas nos vídeos de dancinhas – como o tiktoker Khaby Lame – são agora os protagonistas. As grifes, embora ainda trabalhem com o público mais velho, não dedicam mais publicidade aos veteranos. Quem quiser um terno solto, como os usados pelo seu avô – provavelmente terá que ir até o fundo da loja para encontrá-lo.