09/12/2022 - 9:30
Com temperaturas abaixo de zero desde meados de novembro, a Ucrânia sofre com apagões intermitentes e o risco de ficar totalmente sem energia por dias seguidos. Há dificuldades de conserto e reposição de peças, que ainda vêm da época soviética, nas usinas bombardeadas por mais de 600 mísseis russos.
O presidente Volodymyr Zelensky disponibiliza geradores à população, mas contabiliza ao menos seis milhões de casas, espalhadas por cidades e áreas rurais, em condições caóticas pela falta de eletricidade, iluminação e aquecimento. São dez milhões de pessoas atingidas — ou um quarto da população do país —, que resistem à base de gambiarras, velas e fogueiras. A previsão é de que entre 60 a 80 mil ucranianos morram por ação direta do frio.

Com o inverno, que no hemisfério norte começa no próximo dia 22 e vai até 20 de março, as operações militares ficam restritas e a guerra entrará em uma fase menos ofensiva, segundo analistas. São duas as possibilidades: a primeira, que negociações mais efetivas ainda improváveis apontem caminhos para o cessar-fogo, a médio prazo; a segunda, que armamentos repostos e forças reagrupadas levem ao recrudescimento dos combates, que se tornariam ainda mais ferozes na primavera. De toda forma, a questão humanitária poderá — ou deveria — ter peso em decisões.
Este inverno se apresenta como um “terceiro momento” do conflito, depois das sanções econômicas internacionais contra a invasora Rússia e dos combates prolongados, com a bem-sucedida resistência ucraniana, apoiada por EUA e União Europeia, que impôs importantes recuos da Rússia nos territórios orientais. Agora, nesta etapa com neve intensa e ventos fortes, céu encoberto e média de -7°, podendo chegar a -17°, o pior recai sobre a população ucraniana, em situação-limite.

O frio chega com potencial para alterar pontos importantes da guerra, afirma o coronel da reserva Carlos Eduardo Valle Rosa, professor da UNIFA (Universidade da Força Aérea), que militarmente vê um desafio e uma oportunidade. “O conflito não para, mas o inverno obriga a uma pausa. O desafio está nas dificuldades para as operações militares, dos dois lados: deslocamento de tropas, estradas mais precárias, aeroportos que não operam com um metro de neve, envio de suprimentos para as bases, vias de comunicação limitadas”, explica, observando que ações devem se seguir, mas resumidas a uma espécie de guerrilha em centros urbanos. A oportunidade, e também para os dois lados, continua o coronel, é dada pela chance de se rearmar, reforçar defesas e reagrupar forças para retomar batalhas ainda mais intensas na primavera.
Arma de guerra
O termo “General Inverno” foi cunhado com as tropas de Napoleão Bonaparte derrotadas pelos russos no século XIX. A causa principal, segundo os generais franceses, foi o frio inclemente. O clima passou a ser considerado uma arma de guerra da Rússia. Mas, no começo da Segunda Guerra, foram os russos que sofreram com as baixas temperaturas. No conflito Soviético-Finlandês de 1939, 126 mil soldados de Stalin morreram, contra 25 mil finlandeses. Putin agora tenta usar o clima a seu favor, destruindo a infraestrutura do vizinho para minar a determinação da população invadida.
O drama humanitário aumentou a pressão sobre Putin, mas até o momento não há nada concreto sobre negociações de paz. Juliano Cortinhas, professor de Relações Internacionais, diz que “o esforço para enfraquecer a Rússia é geoestrategicamente importante”, mas no jogo político é fundamental a busca por soluções negociadas. “O impasse é difícil para todos, mas o inverno tende a favorecer os russos, que têm a seu lado o tempo e a experiência, da invasão de Napoleão e de Hitler. O frio extremo propicia a consolidação de posições, porque é mais fácil manter território do que retomar. É mais difícil para a Ucrânia.”
Depois das sanções econômicas contra a Rússia, que não tiveram o efeito esperado no curto prazo, como observa Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB, o conflito se prolongou, com consequências menos relevantes para os EUA do que para a Europa. Mas as diferentes perspectivas de países — como França, que conta com usinas nucleares, e Alemanha, dependente do gás russo — dificultam negociações. O impasse deixa no ar a pergunta: o que fazer com a Ucrânia? E não há resposta, ao menos por enquanto: “A Ucrânia está no escuro”.