Quando uma história real é muito surpreendente, geralmente pensamos: isso aqui daria um filme. Pois foi o que aconteceu com a vida de Carlos Ghosn, executivo brasileiro de origem libanesa. No auge da carreira, depois de estar à frente não apenas de uma, mas de duas gigantes do setor automobilístico, ele foi preso no Japão. Mas conseguiu deixar o país de uma forma hollywoodiana, debaixo do nariz das autoridades. O episódio virou o documentário CEO em Fuga: A História de Carlos Ghosn (Netflix).

A trama começa anos antes, quando Ghosn era vice-presidente da Renault e um dos mais eficientes executivos do mundo. Estrela corporativa, logo assumiu o cargo de CEO da empresa francesa. Vieram então as capas de revista, a fama e, claro, muito dinheiro. Seu talento o levou a negociar uma aproximação da Renault com a japonesa Nissan, bom negócio para ambas as empresas. Tornou-se um ídolo tão popular no Japão que virou personagem de mangá. Sua ambição começou a traí-lo quando, em vez de apontar outro executivo para presidir a Nissan, decidiu acumular os dois cargos. Duas enormes empresas com o mesmo CEO? Era algo inédito. O problema é que isso nunca havia acontecido por uma simples razão: era impossível admi­nistrar uma companhia francesa e outra japonesa ao mesmo tempo. Ghosn discordava: passou a morar em jatinhos de luxo, cruzando oceanos semana sim, a outra também. Acumulou com isso salários estratos­féricos: entre 2009 e 2016, recebeu cerca de 100 milhões de euros – mais de R$ 500 milhões. Seu vencimento mensal na Nissan era sete vezes maior do que o do presidente da Toyota, outra grande marca japonesa.

Vaidade e ruína

Vaidoso e poderoso, não admitia que questionassem sua gestão. Até que os problemas começaram a surgir: o número de suicídios entre funcionários da Renault explodiu, causados pelo excesso de cobrança e a ameaça de demissões. Veio então uma acusação falsa de espionagem chinesa, que derrubou as ações. Mas a gota d’água extravasou mesmo de um ato de arrogância: para celebrar os quinze anos da parceria entre Nissan e Renault, Ghosn promoveu uma festa nababesca no Palácio de Versailles, em Paris. Detalhe: o evento aconteceu no dia do seu aniversário de 60 anos e custou centenas de milhares de euros. O escândalo levou o governo japonês a investigá-lo. Logo descobriram que o executivo estava usando dinheiro da Nissan para comprar mansões e iates no exterior. Foi preso por alguns dias, mas obteve a chance de aguardar o julgamento em liberdade. Apreensivo com seu destino – no Japão esses casos podem facilmente culminar em prisão perpétua –, Ghosn contratou o ex-militar Michael Taylor para bolar o plano de fu­ga.

O norte-americano chegou ao Japão passando-se por músico de orquestra. Após conseguir despistar a vigilância, Ghosn escondeu-se em um hotel e saiu de lá dentro de um case de violoncelo – supostamente um instrumento raro que não teria de passar pelos raios-x do aeroporto para não afetar sua acústica. Deu certo: Ghosn desembarcou na Turquia, depois voou para Beirute, no Líbano, onde sua cidadania dupla o protege até hoje.