20/01/2023 - 9:30
Antes de 2022 ter fim, um achado arqueológico veio à tona em terras peruanas: pesquisadores da Universidade de Yamagata, do Japão, divulgaram novas figuras encontradas no deserto de Nazca, ao sul do país. Em dezembro, a equipe da comunidade acadêmica trouxe à luz mais 168 geoglifos, entre formas humanoides e de animais, para somar aos 190 catalogados na região desde o início do século. As formações conhecidas como Linhas de Nazca estão espalhadas por cerca de 500 km2, a 450 km da capital. Lima. Pelas mãos do povo de mesmo nome, que ali viveu há mais de dois mil anos, as estruturas foram construídas a partir de incisões no solo e a retirada de pedras de seu interior. Entre as figuras monumentais, vistas do céu, estão homens e animais, como gato, colibri, baleia, cobra e aranha, compostos de linhas retas e curvas.
As figuras recém-descobertas têm suas peculiaridades. Calcula-se que sejam mais recentes, possivelmente escavadas de 100 a.C. a 300 d.C, contra os 500 a.C das mais antigas. De dimensão menor, de dois a seis metros, em contraposição às que beiravam os 100 metros, algumas podem ser vistas do solo, como a representação de uma série de lhamas, empilhadas sobre uma montanha íngreme. Chegar próximo às formações ainda se restringe ao espaço aéreo, devido à fragilidade das relíquias milenares. “Ao entender a distribuição dos geoglifos, é possível planejar o uso da terra mantendo na mente sua proteção”, diz o líder da equipe da universidade japonesa, Masato Sakai. Há dez anos, eles contam com um instituto de pesquisa no local, consciente de sua contribuição acadêmica.

Demorou mais de dois milênios para que o antropólogo norte-americano Paul Kosok sobrevoasse (e avistasse) as figuras pela primeira vez, em 1927. A arqueóloga alemã Maria Reiche levou quase meio século para mapear as primeiras figuras a pé. Já na última década, o avanço de tecnologias como drones e fotografias aéreas possibilitou um salto na linha do tempo da arqueologia de Nazca. Com o passar dos anos, o misticismo por trás das figuras milenares também foi caindo por terra. Para especialistas, não passa de especulação associá-las a contatos extraterrestres, hipótese levantada devido ao tamanho monunental e à característica de só serem avistadas completadamente de uma grande altitude.

De acordo com Denise Maria Cavalcante Gomes, professora do Programa de Pós-graduação em Arqueologia do Museu Nacional do Rio de Janeiro, pesquisas recentes apontam que as manifestações teriam propósito cerimonial e cultural. “É um tipo de vestígio arqueológico fabuloso, ligado a uma tradição que reverbera em outras formas materiais, como as cerâmicas”, ela comenta, referindo-se a objetos encontrados na localidade, com inserções semelhantes às cravadas na terra seca. Foram esses objetos históricos, inclusive, que auxiliaram a datar as novas descobertas, segundo Sakai, “Análises de cerâmica encontradas nas proximidades dos geoglifos indicam que sua produção começou pelo menos em 100 a.C.”
A importância dos achados, declarados como Patrimônio Mundial pela Unesco, em 1994, vai ao encontro de valorizar a elaboração humana, sobretudo no que se refere às sociedades indígenas pré-colombianas. “Essas grandes formações demonstram que havia cultura e que ela foi amplamente desenvolvida, independente de fazer impérios, de conquistar povos”, diz o arqueólogo Pedro Funari, do Departamento de História da Unicamp. E completa, “Vestígios do passado são interessantes pelo caráter humano”.

“No desenvolvimento tecnológico de sociedades passadas, há aspectos que surpreendem e que permitem, no futuro, trazê-los de volta. O tipo de cultivo que faziam, o tipo de habitação, o tipo de tratamento do território”, diz o arqueólogo peruano, Luis Jaime Castillo. Segundo ele, escavar o passado também traz alertas para não incorrer nos mesmos erros. Se hoje as imagens estão praticamente intactas sobre o solo seco é graças à terra tornada infrutífera pelos habitantes locais, para o exercício da agricultura.
Nazca significa “nascer e brotar da terra”, reforçando seu potencial gigantesco de ser solo fértil e cultural.