Uma vitória épica. Foi assim a final da 10ª edição do Concurso Internacional de Violino Fritz Kreisler, em Viena, na Áustria, que aconteceu no domingo, 25. Com apresentação primorosa e total domínio técnico, o brasileiro Guido Sant’Anna, de 17 anos, se consagrou vencedor de uma das competições mais importantes do mundo. Natural de Parelheiros, periferia da zona sul de São Paulo, o adolescente fez história para a música clássica nacional. A conquista veio após uma semana de eliminatórias. O torneio começou com 45 talentos de diferentes nacionalidades, que foram reduzidos a três finalistas: Sant’Anna, o israelense Michael Shaham e a japonesa Rino Yoshimoto, ambos de 19 anos. Para a final na sala de concertos Musikverein, o prodígio reservou uma interpretação do Concerto para violino de Brahms, que lhe garantiu a vitória. “Foi uma grande sensação”, comemora. “Fiquei na expectativa de ganhar, porque foi uma boa performance. Foi uma prova do meu nível e capacidade.” Sua atuação foi considerada brilhante.

INFLUÊNCIAS Guido foi descoberto pelo maestro Júlio Medaglia (acima) aos sete anos. Elisa Fukuda é a professora particular do adolescente e aparece ao lado do maestro José Maria Florêncio (Crédito:Divulgação)

O feito na capital austríaca rendeu a ele um prêmio de € 20 mil (algo em torno de R$ 103 mil), concertos com filarmônicas de renome, como a Orquestra Sinfônica Nacional da Lituânia, uma turnê pela Ásia em 2023 e um álbum com a gravadora Naxos, líder em música clássica. “Terei uma agenda abarrotada”, comenta. O dinheiro servirá para traçar seu destino profissional, pois ele quer estudar Música em uma universidade no exterior. “Colocar no currículo que sou o vencedor do concurso é bom para ser aceito em cursos que antes eu não teria tanto acesso”, diz. O brasileiro deseja ser solista e adianta que há “muito por vir” na sua trajetória, que envolve dedicação aos estudos, treino e empenho.

Para a competição que homenageia o lendário austríaco Fritz Kreisler (1875-1962), a preparação teve início em janeiro, com média de quatro horas de exercícios técnicos por dia. No mês passado, ele intensificou sua rotina. “Passei a treinar em qualquer período livre. Aos finais de semana, cheguei a praticar oito horas por dia”, narra. Dedicação e persistência o levaram até o resultado atual e a outros triunfos. Em 2018, ele foi finalista da prestigiada Menuhin Competition, na Suíça.

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Sant’Anna começou a estudar violino aos cinco anos por influência dos dois irmãos mais velhos, que também tocam o instrumento e tiveram passagem pela na Escola Municipal de Música, em São Paulo. Aos sete anos, foi descoberto pelo maestro Júlio Medaglia. “Ele foi a primeira pessoa a notar meu talento e me dar a oportunidade de solar com orquestra pela primeira vez na minha vida”, agradece. Aos nove, o menino foi finalista do Prelúdio, concurso de música clássica da TV Cultura. Desde 2012, ele faz parte do Programa de Bolsas de Estudo Magda Tagliaferro da Cultura Artística, que proporciona aulas particulares com Elisa Fukuda. A violinista veterana, aliás, está orgulhosa de seu aluno exemplar. “Existe a técnica da mão esquerda e da mão direita. Ele tem os dois lados sensacionais, é fora de série”, elogia. “A memória dele é impressionante, pois decora em alguns dias o que outros levariam meses”.

Motivo de orgulho

No Brasil, a profissional acompanhou seu pupilo pela internet e entrega que a final da disputa foi digna de campeonato de futebol, com “gritaria” a plenos pulmões com a vitória. Frederico Lohmann, superintendente da Cultura Artística, reconhece o altíssimo grau de conhecimento do bolsista. “Guido sempre foi dedicado. Esta importante conquista é resultado do consistente trabalho dele ao longo destes anos”, diz. “Vê-lo como um dos destaques de sua geração é motivo de orgulho”.

Graças a instituição privada sem fins lucrativos, Sant’Anna tem curso de línguas, apoio financeiro para passagens áreas para festivais e concursos, e ajuda de custo para manutenção de seu instrumento. Aliás, ele toca um violino Iorio de 1833, cedido pela Fundação Caris. O pai, o servidor público Silvano da Silva, 50, tem gratidão pela lista de apoiadores da família. Com três violinistas em casa, os custos eram altos, mas ele encontrou benfeitores. “Todos os meus filhos ganharam instrumentos. Graças a Deus, tem gente boa no Brasil”, enfatiza. O caçula é o único herdeiro que segue na música erudita. “Mas ainda é difícil. Não podemos comprar o violino que Guido precisa. Cada jogo de corda, trocado a cada dois meses, é quase ¼ do meu salário. Tudo é caro”. Sant’Anna retorna para São Paulo na próxima semana. Ele viajou para a Europa na companhia da mãe Glauce Sant’Anna, 50, com quem turistou um pouco por Viena. Ao falar sobre os planos após sua glória, o espírito de adolescente supera o musicista virtuoso. “Foi pesadão estudar para o Fritz Kreisler. Agora, vou relaxar alguns dias”, finaliza. Descanso merecido.