A aliança firmada por Benjamin Netanyahu para voltar ao comando de Israel escancarou a porta para extremistas avançarem a fundo no governo, com força suficiente para ocupar cargos prometidos em pastas estratégicas — como o Ministério da Polícia — e reverter iniciativas mais progressistas em questões geopolíticas e mesmo morais. Assim, quando assumir como primeiro-ministro pela quarta vez, como previsto para terça-feira, 15, “Bibi” terá de se valer da habilidade política adquirida em décadas para não se deixar acuar pelos coligados ultrarradicais Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, recém-chegados e com muita fome de poder.

“Será o governo mais à direita de Israel, em quantidade de parlamentares e ministros, com a ascensão de figuras de visão muito restrita quanto a liberdades civis e papel da mulher, radicais defensores de políticas extremamente duras de segurança pública”, observa Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da PUC-SP e especialista em Política Internacional do Oriente Médio. “Vamos ver como esses novos atores terão voz sobre o Netanyahu, líder do Likud, o maior partido do país. E como serão afetadas visões mais democráticas e inclusivas, além de medidas já implementadas quanto a direitos civis e trabalhistas.”

PODEROSOS Novas estrelas ultrarradicais, Itamar Ben-Gvir (esq.) e Bezalel Smotrich aguardam cargos prometidos por “Bibi” (Crédito: EMMANUEL DUNAND / AFP)

A estrela entre os extremistas é Itamar Ben-Gvir. Admirador do rabino ortodoxo racista Meir Kahane, ele é o líder do partido Poder Judaico. Vem de um movimento radical ilegal e chegou a ser condenado por terrorismo ao pedir a expulsão de árabes de Israel — incluindo parlamentares. É considerado o maior vencedor da eleição do dia 1º e deve se tornar homem forte do novo governo, na cobrança pela aliança que garantiu maioria no Parlamento a Netanyahu. Outro nome em ascensão é Bezalel Smotrich, líder do Partido Sionismo Religioso, que se diz “homofóbico orgulhoso” e defende até a separação de mulheres árabes e judias em maternidades.

Amaral lembra que populações tendem ao conservadorismo, se estão sob ameaça, como Israel, em conflitos regionais desde sua formação. Assim, renovam-se os mandatos de direita no país. Além disso, os radicais são embalados pela ascensão da direita populista no mundo. Netanyahu, que era um dos poucos aliados de Jair Bolsonaro na frente externa, foi primeiro-ministro de Israel 1996 a 1999, ocupou cargos importantes em governos nos anos 2000 e voltou ao comando entre 2009 e 2021. Em 2016, quando começaram denúncias de corrupção, teve a imagem fragilizada até ser indiciado em 2019 e julgado em 2020. Foi obrigado a deixar o cargo, mas ficou menos de dois anos fora, enquanto respondia às acusações de suborno, fraude e quebra de confiança. Com acordos negociados com a Justiça, acabou liberado para voltar à política.

Enquanto isso, o governo de centro-esquerda com oito partidos (incluindo legenda representante dos 20% de palestinos que vivem em Israel) se desmantelava com divergências internas e deserções, que podem ter sido impulsionadas pelo próprio Netanyahu. Em junho, o primeiro-ministro Naftali Bennett foi substituído pelo interino Yair Lapid, que dissolveu o Parlamento e convocou a quinta eleição em quatro anos. A coalizão da direita somou 65 cadeiras em 120, com Lapid derrotado por Netanyahu, que ficará entre pagar promessas de cargos para postulantes explicitamente antidemocratas e Joe Biden, contrário a eles como presidente dos EUA, país do qual Israel depende economicamente e também politicamente.

“O povo quer um Estado judeu, pelo qual derramamos mares de lágrimas e sangue para alcançar” Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro eleito de Israel (Crédito:Ronaldo Schemidt)

Dois temas sensíveis

É improvável que Netanyahu desfaça o que está em andamento quanto a questões externas, avalia Amaral. “Uma delas é o acordo estabelecido em outubro para o compartilhamento de um campo de gás com o Líbano, que envolveu o reconhecimento revisionista de fronteiras marítimas no Mediterrâneo. São vizinhos tecnicamente em guerra desde a fundação de Israel, mas os dois países irão se beneficiar. Não há razão para ele revogar o acordo, o que também poderia ser interpretado como ameaça de novo conflito com o país ao norte.”

A segunda questão é com o Irã, mais complicada. Há uma tensão crescente desde o governo de Donald Trump, que piorou com o assassinato em 2020 do general iraniano Qasem Soleimani. “É um cenário de crise, porque um fala que vai atacar e o outro, que vai responder. E são dois Estados com poder nuclear”, diz o professor. “O Biden veio com a proposta de uma ‘zona livre’, sem armas nucleares, no Oriente Médio — que seria a sexta no mundo.” Endossada por organizações internacionais e grupos de Israel, “é simples de se fazer, mas difícil de executar”. E mais um tema sensível para o novo governo Netanyahu.