União Europeia sabia que poderia enfrentar um inverno duro por causa da guerra na Ucrânia, mas esperava escapar das piores previsões. O otimismo ficou para trás. O bloco nem esperou setembro para anunciar uma “intervenção de emergência” no setor de energia, nas palavras de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. Em paralelo à economia de 15% exigida para os 27 membros, França, Alemanha e Espanha já anunciaram planos para enfrentar a alta do custo de vida que alarma populações e incita greves. Governantes estão acuados diante de Vladimir Putin, que usa o gás russo como arma de guerra, e teme-se por um corte total no fornecimento em pleno inverno europeu, quando o aquecimento se faz necessário pelas temperaturas abaixo de zero. Além da elevação no preço de combustíveis, também foi paralisado o comércio de grãos e a inflação passou de dois dígitos em vários países.

ALTERNATIVAS Navio da Lituânia carregado de gás natural liquefeito (GNL), para compensar corte do gás russo (Crédito:Divulgação)

O continente tem se preparado para o pior. Ainda em pleno verão, estão às escuras monumentos e letreiros de lojas em horários mais avançados, mesmo prejudicando o turismo. Em Barcelona, luzes de vitrines estão sendo apagadas às 22h. Esse é apenas um dos itens do pacote da Espanha, com multas de até 600 mil euros (mais de R$ 3 milhões). Na Alemanha, Berlim desliga perto de 1.500 postes de luz em suas ruas. Munique não tem mais água quente em prédios comerciais, nem fontes funcionando à noite, quando metade dos semáforos fica apagada. Itália e Espanha também impõem limites no ar condicionado em prédios. A Holanda convoca cidadãos a tomar banho em menos de cinco minutos e a Suíça se põe a armazenar… lenha.

Corte total

Putin fornece 40% do total de gás natural consumido pela Europa, mas o fluxo pelo duto North Stream está em 20%. O maior temor é o inverno, quando os europeus esperam sofrer um corte total — o que o presidente francês Emmanuel Macron dá como certo. Sua primeira-ministra, Elisabeth Borne, apelou a empresas por economia energética, para que não se chegue à “penúria” que obrigue a cortes, racionamento e multas. Ursula von der Leyen destaca que a UE precisa se preparar “para o pior” e, além da economia, diversificar fornecedores e fontes de combustível, com um teto para o megawatt/hora, que chegou a um preço inimaginável.

“Economizar energia é uma tarefa de todos e é prioridade” Pedro Sánchez, primeiro-ministro da Espanha em 29 de julho, apresentando-se sem gravata, para dispensar o ar-condicionado (Crédito:JAVIER SORIANO)

Com a guerra e a paralisação no comércio de grãos, a inflação atingiu 8,9% ao mês na zona do euro (países bálticos passam dos 20%). Físico e consultor na área de energia, Ricardo Lima explica que, além do gás, o carvão também é consumido na Europa, transportado por barcaças, e sofre pelas condições climáticas, porque com a seca muitos rios não estão navegáveis. O gás natural liquefeito é a maior aposta, mesmo com a alta no mercado internacional.

A Alemanha comprou cinco terminais flutuantes, onde o GNL descarregado de navios será convertido para ser injetado em dutos (o primeiro começa a funcionar em 2023). O país já tem 30 “fazendas” eólicas no Mar do Norte e também investe em projetos de hidrogênio com a Dinamarca. Mas a alternativa “verde” é custosa e demorada, segundo Lima, pelas mudanças necessárias em todo o processo de produção e nos equipamentos. “Essas fontes ainda não são significativas. O que percebemos e nos preocupa é que não dá para depender delas.”

Luciana Mello, especialista em Relações Internacionais e Comércio Exterior, observa que o cenário econômico da Europa já não era dos melhores antes da guerra na Ucrânia. “O que se vê são alguns países bem fortes em produção e serviços, com alto valor agregado, e outros dependentes, com economia frágil”, diz a professora, lembrando que o primeiro-ministro alemão, Olaf Scholz, chegou a propor a aprovação de decisões por maioria no Parlamento europeu, em vez de consenso, sendo criticado pelos países com menor poder econômico. “É uma Europa ‘de volta para o futuro’, ou de volta ao lugar de onde nunca saiu. Ficou claro que o bloco europeu tem muitas fragilidades e não é tão coeso nem tão economicamente forte como se vendia.” Se os europeus se uniram para defender a Ucrânia com a OTAN renascida e decididos a eliminar a dependência da Rússia, para Luciana a crise econômica seguirá enquanto perdurar a guerra na Ucrânia. “Agora, é negociar: inimigos, inimigos, negócios à parte.”