16/12/2022 - 9:30
Catharina-Amalia Beatrix Carmen Victoria, Princesa de Orange e primeira na linha de sucessão do trono da Holanda, completou 18 anos e quis experimentar a vida de cidadã comum — na prática, a liberdade, mas sem abrir mão da fortuna. Em setembro de 2021, alugou um apartamento em Amsterdã, avaliado em dois milhões de euros, para iniciar um curso universitário sobre Política, Psicologia, Direito e Economia. Mas nem um ano se passou e a garota, sob ameaça de sequestro para virar moeda de troca na libertação de chefões do tráfico, já estava de volta a Bosh, no Palácio Ral Hois, em Haia. De novo encastelada e de novo ao lado dos pais, o rei Willem-Alexander e a rainha Máxima, e das irmãs mais novas Alexia e Ariane. Não é um conto de fadas.
Contos de fadas, no entanto, têm mesmo um núcleo de terror por trás da aparência cor-de-rosa, como afirma o psiquiatra Filipe Doutel. “Se João e Maria, Branca de Neve ou Cinderela mostram bruxa arrancando dedos de crianças, rainha envenenando camponesa, mãe escravizando enteada, há medo e opressão nessas histórias, tanto quanto por trás da vida de sonhos das princesas reais”, observa ele. “Não apenas de Catharina, mas de Diana, que revelou ao mundo seu sofrimento oculto por uma aura de glamour. Ou de Haya, de Dubai, terceira esposa do emir, que em 2020 fugiu para o Reino Unido. Ou de Shamsa, filha da sexta esposa do mesmo sheik, que nos anos 2000 tentou fugir durante férias em Londres mas foi sequestrada e levada de volta ao Palácio Zadell. Por oito anos, nunca recebeu visitas, virando um zumbi, como contou a irmã Latifa, que conseguiu escapar da cidade-estado em 2018.”

Gangues violentas
A história de Catharina da Holanda é outra, mas opressão e medo também reinam nos cenários. Contraterroristas do governo detectaram, em setembro desse ano, alto risco da princesa ser sequestrada para ser trocada por traficantes presos, a exemplo de Ridouan Taghi: chefe da máfia Mocro (corruptela de Marrocos), da maior rede de drogas na Europa, que está em julgamento com mais 16 cúmplices em Amsterdã. O nome da princesa apareceu em mensagens criptografadas. Como resultado, em 7 de dezembro ela comemorou seus 19 anos entre os muros do palácio de Haia. Em casa.
Catharina viveu e estudou na Villa Eikenhorst, no Pavilhão De Horsten, em Wassenaar, até os 12 anos. Passou a morar no Palácio de Haia, com os pais e as irmãs. Com seu lado sagitariano atiçado pela liberdade e revelado em paixões como equitação e tênis na adolescência, pensou em sair de casa. Aliás, do palácio. As excelentes notas até os exames pré-universitários e o ano sabático em voluntariado acabaram embasando seu pedido, finalmente autorizado pelos pais em setembro de 2021, de morar sozinha e estudar em Amsterdã.
Ocorre que a capital holandesa, para onde se mudou, é a porta de entrada de drogas na Europa, vindas da América Latina e do Oriente Médio, porque “favorece” a distribuição do tráfico tanto por sua localização geográfica como pela excelente malha ferrorodoviária holandesa. A cidade está a apenas 150 quilômetros da portuária Antuérpia, na Bélgica. Pela região circulam gangues cada vez mais violentas de cartéis de drogas. Com os rumores de ataque e sequestro, o carro blindado em que Catharina se desloca e que é escoltado por outros, com agentes do Serviço de Proteção Real e Diplomática, foram considerados insuficientes para sua proteção e, assim, “ela mal sai de casa”, segundo sua mãe-rainha.
Porta de entrada de drogas na Europa, Amsterdã reúne violentas gangues de traficantes. As ações passaram a ser tratadas como terrorismo após o assassinato na rua de um jornalista
A atuação da Mocro na região de Flandres foi classificada como terrorismo, por ser contra o Estado de Direito, ultrapassando acertos de contas entre rivais do crime organizado, ligado ao tráfico de drogas. O ponto de virada se deu com o assassinato do repórter investigativo Peter R. de Vries, em julho de 2021, morto em tiroteio nas ruas do centro de Amsterdã, que teve imagens compartilhadas pelos matadores em redes sociais, para amedrontar a população. Foi quando o terror que entremeia contos de fadas e também castelos reais passou a se mostrar cada vez mais acintoso, espalhado por grupos extremistas. O psiquiatra Doutel observa: “Medo e ódio são sentimentos básicos. Desligam as bases racionais do ser humano, que age sem refletir, por isso são muito usados em manipulações políticas. O terror de princesas presas nas torres dos castelos tornou-se real em nossa época, e é transnacional”.