Duas cenas resumem a luta da ignorância contra a Ciência. Numa delas, na primeira foto acima, Jair Bolsonaro oferece cloroquina (que não serve para nada) às pobres Emas, que dele fogem, no ambiente plácido e verdejante dos jardins do Planalto. Na outra, ao lado, o governador paulista, João Doria, entrega a redentora vacina a uma heroína na guerra contra a Covid, a enfermeira Mônica Calazans, da linha ofensiva no combate à pandemia do Instituto Emílio Ribas — em momento histórico, solene, importante para todos os brasileiros, que consagrou a primeira resposta efetiva do País diante da terrível doença. Como imagens que falam mais que mil palavras, eis a distância, o fosso imenso, que separa a gestão federal, marcada pela incompetência, de uma liderança governamental digna de nome. Bolsonaro, que espinafrou as vacinas, alegou que todos virariam jacaré caso a tomassem e tripudiou sobre milhares de óbitos ecoando o “vai fazer o quê? É da vida! Paciência!”, exibe dia após dia o desprezo que dedica aos brasileiros. Um escárnio em atos e palavras contra o bem-estar geral! No dia um da vacina brasileira o presidente finalmente se calou. Emudeceu. Loquaz por hábito — sempre despejando besteiras inomináveis —, fez voto de silêncio. Em protesto contra a vacina ou por vergonha própria mesmo, dado o acachapante fracasso que teve na causa? Diga-se, de passagem, que esse deve ser o único país no mundo onde o início da vacinação significa uma derrota política do mandatário. O negacionista fanfarrão e incapaz teve seu dia de Pearl Habor, bombardeado pelo show de eficiência do adversário. Sob qualquer ótica que se enxergue, Doria foi quem planejou, negociou diligentemente com os chineses e se dedicou de maneira obstinada à Coronavac, que hoje é o único dos imunizantes disponível até aqui para os brasileiros. Graças a Doria, o Brasil começou a vacinar e cada um dos 27 estados da Federação recebeu doses do lote que foi encomendado, comprado e pago pelo governo paulista. Bolsonaro, por sua vez, debochou o quanto pode. Tripudiou. Rosnou contra a Coronavac: “vacina chinesa do Doria? Não vou comprar. O governo é meu e eu decido. Já mandei cancelar”. Logo a seguir, esforçou-se em promover uma falácia quando um voluntário dos testes se suicidou, e passou a acusar a Coronavac de provocar “morte, invalidez e anomalia”. Era propaganda enganosa e perversa. Para choque e indignação geral, chegou a comemorar sobre o cadáver, vangloriando-se com a bravata “mais uma que Jair Bolsonaro ganha”. Ganhou o quê, presidente? Para um “mito” que mandava o brasileiro reagir à doença “como homem, não como maricas”, o fato de ter se escondido no Alvorada por intermináveis horas, com o rabo entre as pernas, tal qual um cãozinho amedrontado, no domingo da vacinação, expressou a própria covardia que carrega nos momentos em que a sua incompetência salta aos olhos. Valente apenas na garganta, como delinquente aloprado, Bolsonaro exibe um comportamento não apenas execrável como criminoso.

Pela força da Lei já deveria estar respondendo a inúmeros processos. Pairam ao menos 61 pedidos de impeachment no Congresso, mofando nas gavetas, enquanto o Messias do cerrado teima em afrontar os mais elementares anseios da população, sem qualquer freio. Em meio à balbúrdia que criou e para safar-se das críticas diante da falência sanitária do Amazonas — onde famílias inteiras morreram asfixiadas por falta de oxigênio que o seu Ministério da Saúde deixou de fornecer —, Bolsonaro resolveu, de novo, ameaçar o País com uma intervenção militar. Insinuou, na distorcida visão que acalenta da democracia, que viver ou não sob uma ditadura é decisão das Forças Armadas.

Enganava para assustar o povo, desprezando o poder absoluto da Constituição, que em outros tempos jurou cumprir. Um governo que parece caminhar de costas para a Lei, encorajado por hordas de devotos, como um séquito que hostiliza a Ciência e relega as evidências. É bom que se diga, Bolsonaro não tem apoiadores — não no sentido elementar da palavra. Ele possui fanáticos adoradores, porque quem apoia normalmente tem discernimento mínimo para separar o certo do errado, enquanto o fanático vai no efeito manada rumo ao abismo.

Na outra fronteira, a das cabeças lúcidas, o espetacular momento vivido pelo Brasil com a chegada da vacina ocorreu à revelia e mesmo a contragosto do Messias, que de Salvador não tem nada. A tal ponto que cresce em inúmeros setores da sociedade civil organizada e consciente o pedido para que ele seja finalmente impedido por seus delitos. Um mandatário que fomentou toda sorte de subterfúgios e sabotagens para retardar a imunização dos brasileiros, que sabia e nada fez contra o iminente colapso de Manaus e que, publicamente, encorajou o uso de medicamentos sem comprovação científica, estimulou aglomerações frequentes e desprezou o uso de máscaras, não pode (não deveria em nenhuma hipótese) continuar sentado na cadeira do Planalto. Em contraponto a sua sociopatia, o responsável por garantir a Coronavac, João Doria, trabalhou abertamente pela saúde. Guardou forças e oratória para o entendimento com os asiáticos. Zeloso e hábil na estratégia traçada,alinhavou uma conquista retumbante e, juntamente com o Instituto Butantan, vem viabilizando a imunização no País. Foram meses de arrastadas conversas, missões de análises e recursos disponibilizados, numa saga digna de nota (leia reportagem de capa à pág. 22).

Registre-se, a propósito, que não há nada relacionado com dinheiro do SUS nessa empreitada, como tentou fazer crer o ministro Eduardo Pazuello, bedel do capitão, que faz papel ridículo a cada aparição e mente desbragadamente, com um rosário de falácias capaz de causar inveja a qualquer Pinóquio. Oscilando entre o crime comum e a prepotência, o general mentiu até quando pilhado em flagrante exigindo de autoridades estaduais o uso da famigerada cloroquina. Tal qual o chefe, é um mitômano incorrigível. Fala tanta besteira que chega a causar vergonha alheia, inclusive entre os pares de caserna. Para agradar o capitão, tinha preparado toda a presepada para um momento de glória do seu “mito”: avião adesivado com os dizeres da vacina brasileira, cerimônia no Planalto, coquetel de comemoração. Pazuello só esqueceu de combinar com os russos (na verdade, indianos, que deram o cano na entrega das mirradas duas milhões de doses da Oxford, prometidas). Não há mera fatalidade no caos. Com a Índia, com a China, com a Europa, o governo brasileiro vem fazendo pouco caso há muito tempo e agora colhe o troco. Inapetência de gestão, como todos sabem, é construída de maneira calculada, principalmente por Bolsonaro, que agora se enterra na sua insignificância, inutilidade administrativa e ignorância mental. Humilhado pelas circunstâncias de maneira bisonha virou coveiro dele mesmo. Quase ninguém mais dá ouvidos ou crédito ao que diz.

Não dá mesmo para respeitar alguém que foi capaz de dizer, no dramático colapso sanitário em Manaus, que havia feito a sua parte. Tal qual um Pilatos, lavou as mãos diante de uma tragédia humanitária. Há de se perguntar: Que parte o senhor fez presidente? Gritar contra a vacina, contra o isolamento, contra a máscara, contra a pandemia, tida e havida pelo senhor como uma mera “gripezinha”? Tome prumo mandatário. Honre as calças que veste e a cadeira que ocupa. Ninguém colocou na sua cabeça que comandar o País é muito mais que fazer algazarra em público, anarquizar poderes constituídos e esparramar vitupérios indecentes? Vá se catar! Pilhérias imorais diante do drama que os brasileiros vivem atualmente não deveriam ser mais toleradas. Uma nação inteira não merece ficar à mercê dessas lunáticas ignomínias federais, de tanta desorganização e descaso.