O Novo Ensino Médio vive o prenúncio de uma catástrofe. É o que dizem os próprios estudantes que estão indo às ruas para pedir a revogação do formato aprovado no governo Michel Temer (MDB), em 2017. “Esse molde não ensina nada do que vai cair no Enem. Tenho aula de Esporte Radical, falando sobre Le Parkour. O esporte é importante, mas queremos Física e Química”, clama Richard Dias, de 17 anos, aluno do 3º ano do NEM na rede pública de São Paulo. “Eu vejo que não aguçam a nossa inteligência”, opina Evelyn Maria, 17, do 2º ano, também da capital. Os dois são retratos da atual crise no ensino, que se distancia da realidade deixando de lado disciplinas tradicionais. No lugar, entraram aulas como ‘O Que Rola Por Aí’, ‘Brigadeiro Caseiro’ e ‘RPG’.

As mudanças estão em vigor nas unidades públicas e privadas: o estudante escolhe parte das matérias que irá cursar. Pelo menos 60% da carga horária deve ser dedicada a unidades curriculares comuns, enquanto 40% aos itinerários formativos. Assim, o conteúdo foi dividido em quatro áreas: Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e Ciências da Natureza e suas Tecnologias – ou formação técnica e profissional.

Essa reforma abriu espaço para as instituições flexibilizarem as grades curriculares e enfraqueceu a tradicional destinada aos vestibulares. Atualmente, as escolas estaduais têm mais de 1.500 matérias para dar ao adolescente uma visão de mundo ampla. Mas a prática assusta.

A geração de hoje teme pelo futuro. Luiza Martins, 19, concluiu o 3º ano em 2022, mas sentiu falta de ênfase em História e Filosofia. Agora se prepara para o vestibular em um cursinho. “Estou repondo, pois quero cursar Psicologia”, conta. A jovem é presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas e representa seus colegas ao falar sobre a política: “É indignante e bizarra. Queremos desenvolver conhecimento”.

PROTESTO
Estudantes contra o NEM, em São Paulo: ato organizado pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo na última quarta (22) (Crédito:Marco Ankosqui)

Segundo os jovens, a estrutura agrava ainda mais a desigualdade social. “Na escola particular tem astrofísica no laboratório, na pública tem ‘como fazer brigadeiro’”, aponta Jade Beatriz, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. Educadores concordam com a disparidade nas salas de aula. “A maioria das escolas privadas optou por esses itinerários fora da jornada real do aluno”, afirma a professora Andrea Aparecida, 53. O NEM também abalou a carga horária dos profissionais. “Como professor de Português, eu dava cinco aulas por turma. Agora, o último ano só tem duas por semana”, detalha Fábio Rogério, 41 anos, da capital paulista.

Nesse cenário, o governo reconheceu que “correções” são necessárias. O Ministério da Educação fará consulta pública para reestruturação. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o debate acontecerá sob os olhos do ministro da Educação, Camilo Santana. “Ele vai ter uma discussão com educadores e estudantes, não será do jeito que está”, anunciou. O posicionamento é visto de forma positiva por especialistas e entidades: o primeiro passo foi dado. “É o que temos defendido há meses”, diz Olavo Nogueira Filho, diretor do Todos Pela Educação. Para ele, entre os ajustes há questões profundas, como valorização e formação docente. “E mudanças nos projetos pedagógicos e plano consistente para a educação profissional”, lista. Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Marili Vieira enfatiza um ponto a ser lembrado: “Não é ensinando o que pode ser aprendido no cotidiano que desenvolvemos uma sociedade forte. A escola é o espaço em que o conhecimento sistematizado deve ser trabalhado”.

“É indignante, pois a proposta do Novo Ensino Médio é bizarra. Queremos desenvolver conhecimento” Luiza Martins, presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas

Marco Ankosqui

Entre os que se opõem aos pedidos de revogação estão o Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação, o Conselho Nacional de Secretários de Educação e o Sindicato dos Estabelecimentos de Educação Básica do Município do Rio de Janeiro. “A reforma curricular traz a valorização do Ensino Técnico, fundamental ao futuro de determinadas atividades econômicas”, justifica Pedro Flexa, diretor do SinepeRio.

Nesse imbróglio, ouvir alunos e educadores é um processo que satisfaz quem foi às ruas protestar, como Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo. “Com debate, é possível ter um Ensino Médio que não seja este”, finaliza.