Aquecimento global, emissão de gases-estufa na atmosfera e compensação dos danos causados ao clima por países desenvolvidos aos países em desenvolvimento. A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP27, reúne representantes de mais de 200 países até o próximo dia 18 em Sharm El-Sheikh, no Egito, e tem como principal tema o terceiro item citado, a reparação aos países em desenvolvimento. Tudo que antecedeu ao encontro e a observação dos primeiros dias de discussão já indicam que, mais uma vez, a principal reunião de debates sobre meio ambiente do calendário mundial vai patinar e não sair do lugar. Em 2009, os participantes da COP comprometeram-se com a criação de um fundo anual de US$ 100 bilhões até 2020, o qual ainda não foi colocado em prática. É difícil avançar na questão da reparação financeira aos países em desenvolvimento sem o comprometimento das duas maiores economias mundiais. Os primeiros movimentos dos EUA e da China no Egito não apontam para a frente. O enviado americano, John Kerry, cumpre agenda de conversas nesta primeira semana da COP27. Mais preocupado com as eleições de meio de mandato em seu país, Joe Biden só vai dar as caras na segunda semana do evento. Kerry se encontrou com Xie Zhenhua, o habitual enviado chinês às conferências climáticas, numa reunião fora da agenda, que surpreendeu a imprensa na COP27. Kerry deu entrevistas depois e não sugeriu nada de prático em relação à reparação. Xie Zhenhua conversou com repórteres em seu criticado estilo habitual, de falar muito sem dizer nada.

Kerry chamou mais atenção ao sugerir a volta intensa do fornecimento energético por meio de usinas nucleares. Essa declaração poderia parecer na contramão do mundo há bem pouco tempo, mas agora traz ecos dos efeitos da invasão russa à Ucrânia na distribuição de energia na Europa. O secretário-geral da ONU, António Guterres, foi apocalíptico. “Nosso planeta está se aproximando rapidamente de pontos de inflexão que tornarão o caos climático irreversível. Estamos em uma estrada para o inferno climático com o pé ainda no acelerador”. A discussão sobre a compensação pelos danos ambientais aos países impactados continua relegada a uma ideia no papel, proposta pelo Egito, para a criação de um plano global para a arrecadação de US$ 300 bilhões. “Não acredito que essa pauta seja viabilizada, porque a Europa deve enfrentar uma recessão por conta exatamente da questão energética e isso cria um cenário em que os países vão tentar reter o máximo possível de recursos. Se for viabilizada, será através da ampliação do Fundo Amazônia, que agora a Noruega disse que vai reativar, ou da elaboração de projetos de fundos similares”, destaca Pedro Luiz Côrtes, professor titular do Instituto de Energia e Ambiente da USP.

Resta à COP27 ser um palanque pop para líderes mundiais. O francês Emmanuel Macron e o alemão Olaf Scholz dividiram espaço com o novato da turma, Rishi Sunak, há menos de duas semanas primeiro-ministro do Reino Unido, que desperta curiosidade como o homem que conseguiu acalmar o mercado britânico. Mas o nome mais badalado nem pisou em Sharm El-Sheikh. Por videoconferência, o líder ucraniano Volodymyr Zelensky afirmou que a invasão da Ucrânia pela Rússia desviou atenções das questões climáticas. “Não é possível estabelecer política climática eficiente sem a paz”, disse, citando a crise de energia forçada pela guerra, que levou países de volta à produção de carvão, muito poluente. Zelensky atacou o circo midiático da COP27. “Ainda vemos líderes que tratam a mudança climática como retórica ou marketing, e não uma ação real. Eles atrapalham, zombando em seus escritórios dos que lutam para salvar o planeta, mas aparecendo em público para fingir apoio.”

PROTESTO CONTIDO Diminui a pressão: ação dos serviços de segurança egípcios atuam com eficiência contra manifestações (Crédito:Nariman El-Mofty)

O Brasil terá duas delegações diferentes no Egito. O grupo oficial, selecionado por Jair Bolsonaro, é formado pelo Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e dois representantes do Ministério das Relações Exteriores, que devem chegar ao evento no dia 15. Lula, além de convidado pelo presidente do Egito, Abdul Khalil El-Sisi, e pela ONU, integra a comitiva do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), no Consórcio de Governadores da Amazônia Legal. Lula e Marina Silva, recém-eleita deputada federal e nome cotado para o Ministério do Meio Ambiente, devem atrair atenção da imprensa muito maior do que os enviados oficiais do País. Bolsonaro disse a aliados que a presença de Lula seria uma “usurpação”. Inicialmente, Lula tem agenda na COP27 nos dias 16 e 17, e deve ter ali seu primeiro encontro com o presidente americano Joe Biden.

MAIOR ESTRELA Volodymyr Zelensky: presidente da Ucrânia afirma em videoconferência que alguns líderes só fingem apoio a causas ambientais (Crédito:Peter Dejong)

Para Rogerio Aparecido Machado, professor de Química e Meio Ambiente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o protagonismo do Brasil será retomado com Lula e Marina. “É um voto de confiança na capacidade de pensar soluções. Nós temos um Estado que tem a maior parte da Amazônia e a biodiversidade não é toda conhecida. Há na mata muitas plantas com potencial farmacológico. O que está sendo destruído é algo que não terá retorno. Esse é um dos piores legados da visão econômica sobre a ambiental”, destaca.

Projetos nefastos para o meio ambiente

O chamado “Pacote da Destruição” reúne 14 projetos de lei (PL) que ainda podem ser votados até o final do governo de Bolsonaro. Entre eles, ‘PL do Veneno’ (PL.1.459/2022), destinado a novas normas para liberar agrotóxicos, e ‘PL da Grilagem’ (PL 2.633/2020), sobre regulamentação de ocupações irregulares em terras públicas. Ainda circulam projetos de aumento da área de madeira que uma propriedade familiar pode manejar e da retirada dos chamados Campos de Altitude da Lei da Mata Atlântica, medida de proteção e punição em caso de crime ambiental.

BANCADA DO COCAR A deputada eleita Célia Xakriabá: viagem à COP27 e ação parlamentar contra projetos de lei (Crédito:Divulgação)

Eleita deputada federal pelo PSOL, Célia Xakriabá viaja à COP27 levando ações de defesa das causas indígenas, atenta a esses projetos ameaçadores. “Estamos levando as pautas das questões climáticas dos povos indígenas e queremos conter a destruição do governo que só se comprometeu com o ecocídio. Eu e Sonia Guajajara [também eleita] vamos formar a bancada do cocar no enfrentamento às demandas da agenda do ex-ministro Ricardo Salles. Vamos trabalhar para revogar 401 projetos de lei e desengavetar projetos que não foram a diante”. Além disso, faz proposta a Lula: “Ele poderia fazer nos primeiros 100 dias de governo menção da demarcação de terras indígenas. Hoje a demarcação significa mudança. Não vai existir nenhuma floresta com sangue indígena”.