Ao contrário do que dizem os fãs, Elvis Presley morreu – e isso já faz quase cinco décadas. Vítima do abuso de drogas, aos 42 anos, o ídolo foi encontrado pela namorada em Graceland, sua exótica residência em Memphis, no Tennessee. É curioso notar que a vida de um dos maiores ícones da cultura norte-americana, com milhões de admiradores em todo o mundo e detentor de quase todos os recordes da indústria fonográfica, até agora não tivesse servido de inspiração para uma grande produção nas telas. Apesar de ter estrelado dezenas de filmes como ator, abusando dos enredos singelos que serviam apenas como desculpa para ele mostrar o corpo e o vozeirão, fica a impressão de que sua vida era um tabu grande demais até para os megalomaníacos padrões de Hollywood. Talvez seja por isso que, depois de sua morte, em 16 de agosto de 1977, o cantor tenha sido tema somente de um modesto projeto realizado em 1979 e voltado apenas para a TV americana, com direção de John Carpenter e estrelado por Kurt Russell.

Isso mudará daqui a um mês, quando estreia no Festival de Cannes a cinebiografia Elvis, de Baz Luhrmann – o filme chega aos cinemas brasileiros em julho. Foi preciso um australiano de origem judaica para levar às telas a história do garoto pobre e talentoso do sul dos EUA, que ascende vertiginosamente até o topo do mundo e, como um Ícaro que se aproxima demais do Sol, despenca rumo à tragédia. “Sempre fui fã de Elvis, mas não foi esse sentimento que me levou a fazer o filme”, afirma Luhrmann. “Nesses tempos modernos, sua vida é como uma tela em branco perfeita para explorar os EUA dos anos 1950 e 1960. Fui atraído por essa parte da história. E também por um cara chamado Coronel Tom Parker.”

O vilão

Luhrmann se refere ao arrogante e mal-humorado empresário de Elvis, interpretado por Tom Hanks. Como o próprio personagem anuncia no início, ele parece ter orgulho de ser “o vilão do filme”. Figura mítica do showbiz – pelas piores razões possíveis –, o agente não era coronel, nem americano e sequer se chamava Tom Parker. Nascido na Holanda, Andreas Cornelis van Kujik era adestrador de cães. Fugiu de seu país após o misterioso assassinato da amante, morte de autoria atribuída, por muitos, a ele mesmo. Foi expulso do exército por ser considerado um psicopata, trabalhou no circo e, em 1955, convenceu o jovem Elvis a deixá-lo controlar todos os aspectos de sua carreira.

Mesmo sem entender nada de música, dividia com o cantor tudo que ele ganhava e até escolhia quais músicas podia gravar. Com receio de eventuais problemas jurídicos com a imigração, Parker nunca viajou para o exterior – e nem permitiu que Elvis fizesse shows fora do país, nem mesmo diante de ofertas milionárias. Há quem diga que ele o teria obrigado a se casar com a namorada assim que descobriu que ela estava grávida – Priscilla Presley, papel de Olivia DeJonge.

Interpretar Elvis seria o sonho de qualquer jovem ator, e o papel foi cobiçado por diversos astros, entre eles Harry Styles, Ansel Elgort, Aaron Taylor-Johnson e Miles Teller. O escolhido foi Austin Butler, de 30 anos, conhecido por Os Mortos não Morrem, de Jim Jarmusch, e Era uma vez… em Hollywood, de Quentin Tarantino. Para cantar como o ídolo, Butler teve aulas diárias durante um ano. Por incompatibilidade técnica, devido à precariedade das gravações da época, o material original não pode ser usado na filmagem. Por isso o ator teve de cantar grande parte do repertório, principalmente os sucessos do início da carreira: “Sinto responsabilidade não apenas por Elvis, mas com sua família e os fãs ao redor do mundo, que o amam tanto. Passei três anos envolvido nesse projeto. Foi uma grande alegria e algo que eu poderia fazer pelo resto da vida.”

Cenário cultural

O longa também aborda as mudanças culturais nos EUA nos anos 1950 e 1960 – o tema do racismo, portanto, é inevitável. O episódio da morte do líder Martin Luther King foi traumático – Elvis dedicou-lhe a canção If I Can Dream. Já o título de “rei do rock and roll”, que até hoje não pode legalmente ser usado por mais ninguém, só foi conquistado graças ao sucesso junto ao público feminino – designação que deveria ter sido, por direito, de artistas negros como Chuck Berry e Little Richard. Nenhum deles chegou nem perto do sucesso de Elvis, cuja história incrível de ascensão e queda, finalmente, vamos poder ver no cinema.

Do Moulin Rouge ao rock and roll

Divulgação

Quando Romeo + Juliet chegou às telas, em 1996, os críticos se perguntaram: quem teve a coragem de transpor a obra de Shakespeare para os dias de hoje? Desde então, a carreira de Baz Luhrmann tem sido marcada por filmes visualmente desafiadores e histórias de amor clássicas. Foi assim com sua versão de O Grande Gatsby, estrelada por Leonardo DiCaprio, e Moulin Rouge, com Nicole Kidman. Indicada ao Oscar em 2001, essa fábula cinematográfica parisiense é seu maior sucesso até hoje.