Um pedaço de rocha qualquer não inspiraria histórias mirabolantes ao longo de 750 anos. Nem reuniria mistérios sobre sua origem, provocaria guerras sangrentas por sua posse ou incentivaria viagens por terras exóticas, em meio a elefantes e ogivas nucleares. Essa pedra existe e se tornou o diamante mais conhecido do mundo: o Koh-i-Noor. Em sua grandeza, porém, ele é acompanhado por outros de valor ainda maior, quanto aos quilates, como é o caso do Cullinan, cortado em nove pedras e lapidado com perfeição. O Koh-i-Noor está alojado na coroa da rainha-mãe Elizabeth, morta aos 103 anos. Já o Cullinan foi dividido em dois: o “Cullinan 1”, com 530 quilates, está no cetro; o pedaço “2”, com 317 quilates, na Coroa de Estado Imperial do Reino Unido, que apareceu assentada sobre o caixão de Elizabeth II ao final do cortejo em Londres. Rei proclamado, a segunda parte do Cullinan reaparecerá na cerimônia de coroação de Charles III, em 2023.

PERFEIÇÃO Elizabeth II, na coroação como rainha: Cullinan 2 é a pedra principal de sua coroa

Desde 1600, esses tesouros estão guardados a sete chaves na fantasmagórica Torre de Londres, no rio Tâmisa. A masmorra concentra as Joias da Coroa, coleção com mais de 100 objetos e 23 mil gemas extraídas de colônias ao redor do mundo, época em que o Império Britânico dominava territórios e se autoproclamava “o lugar onde o sol nunca se põe”. Grande parte dos objetos classificados hoje como “presentes” aos colonizadores e monarcas ao longo dos séculos, na verdade eram riquezas saqueadas, contrabandeadas e roubadas. Em contraponto à ganância pelos símbolos de poder, há movimentos pela volta desses objetos às origens – desejo renovado agora, com a morte de Elizabeth II. No entanto, historiadores consideram essa devolução impossível, tanto pelo tempo decorrido quanto pela falta de localização real da origem, à parte algumas exceções pontuais.

O Cullinan é um dos poucos diamantes cujos registros são conhecidos. Foi descoberto em 1905, na África do Sul, e tem 3.106 quilates (621 gramas). No mesmo ano chegou a Londres, onde foi comprado pelo governo do Transvaal para presentear o rei Edward VII. A lapidação, feita em Amsterdã, na Holanda, dividiu a gema em nove pedras. Rafael Lupo Medina, gemólogo há 30 anos na Cartier, em Paris, fala sobre o ritual inglês: “A Coroa de Estado, a mesma da coroação, é usada pelo monarca em seu trono no Parlamento, para o discurso de abertura. No Palácio, usa-se uma diferente. Do Palácio ao Parlamento, o monarca troca de coroa e de roupa: na última sessão, como Elizabeth II não pôde ir e foi representada por Charles e Camilla, a Coroa de Estado ficou assentada em uma almofada, ali do lado.”

KOH-I-NOOR Exposição Universal de Londres, em 1851: público classificou a pedra como “um pedaço de vidro”

Medina sabe tudo sobre a Coroa britânica desde criança e confessa que vê as jóias como fossem seus “familiares”. Conta mais: que inicialmente os Cullinan 1 e 2 foram usados em broches, e só foram parar no cetro e na coroa com George VI, em 1936. Hoje, o Cullinan 3 e 4, de “apenas” 90 e 60 quilates, respectivamente, são chamados de “caquinhos da vovó”. As outras gemas estão espalhadas por broches, um colar e um anel pequeno.

Mas e o Koh-i-Noor? A saga de “um pedaço de estrela caído do céu”, onde hoje seria a Índia, começa há pelo menos 750 anos e passa por reinos dos vastos territórios da Ásia, até chegar a Londres, para a rainha Victoria, em 1849. Passou nas mãos de marajás, ladrões, assassinos – e até de outras rainhas. Tanto que hoje é reclamado por Índia, Paquistão, Irã, Afeganistão e até pelo Talibã. Mas esse diamante, de iniciais 793 quilates e lapidado a 106 (do tamanho de um ovo), para fulgurar como a “joia das gemas” pelos britânicos, carrega uma maldição: seu portador é capaz de governar o mundo, mas carregará infortúnios da mesma grandeza ­— a não ser que seja Deus ou uma mulher. Pelo sim, pelo não, na família real o diamante foi usado por Victoria, Alexandra, Mary e Elizabeth I. Foi no féretro dela, a rainha-mãe, que a coroa com a pedra amaldiçoada apareceu pela última vez, em 2002, antes de voltar a seu cárcere, na Torre de Londres.

Símbolos de poder

Até 1725, quando minas de diamantes foram descobertas no Brasil, a única fonte era a Índia. Nas Cortes indianas, as joias ­— e não as roupas — eram os principais ornamentos, até porque eram vistas como regras para identificação de hierarquias. Milênios se passaram e o deslumbramento pelas gemas como símbolos do poder segue intacto. Nobre, político, milionário ou estrela de cinema, todos amam desfilar com essas pedras preciosas.

Divulgação

A cantora Beyoncé foi a quarta mulher no mundo a usar o “Tiffany Diamond”, gema sul-africana descoberta em 1877. Tem 128 quilates, lapidado em 82 facetas — 24 a mais que o brilhante tradicional. A joia “mora” na Tifanny da Quinta Avenida, em Nova York, e fica exposta ao público desde a inauguração da loja, em 1940.

No CINEMA Audrey Hepburn eternizou o “Tiffany Diamond” no filme Bonequinha de Luxo, de 1961. Foi usado então pela socialite Mary Whitehouse em um baile beneficente, em 1957. Lady Gaga surgiu com ele na cerimônia do Oscar, em 2019 (Crédito:Divulgação)