Uma discussão histórica voltou à tona na semana passada, após uma declaração do ministro da Cultura de Portugal Pedro Adão e Silva. Ele anunciou que o país fará um levantamento das riquezas que estão sob seu poder para devolvê-las às ex-colônias: além do Brasil, há outras catorze entre África e Ásia. Será feita uma análise do espólio relativo a bens culturais, obras de arte, objetos de culto e restos mortais. A produção do polêmico inventário sequer começou e já levanta debates. Afinal, sabe-se que em posse dos portugueses há muitas relíquias, muitas delas expostas no Museu do Tesouro Real, em Lisboa. Lá, por exemplo, está a coleção Ouro e Diamantes do Brasil. Não à toa, a frase “devolvam nosso ouro” figura – por vezes em certo tom de brincadeira – entre brasileiros e portugueses.

Adão e Silva já iniciou uma discussão com a comunidade cultural para definir o que deve entrar ou não nessa lista. Sabe-se que o ministro acionará acadêmicos e diretores de museus para o trabalho, que ainda não tem prazo para terminar. “A forma eficaz para tratar esse tema é por meio da reflexão, discrição e alguma reserva. A pior maneira seria criar um debate público polarizado. Não contem comigo para isso”, declarou. “É preciso um trabalho que envolva os museus e a academia de uma inventariação mais fina, e posso garantir que será feito”.

Para especialistas, o patrimônio requer um estudo meticuloso. “O Código de Ética do Conselho Internacional de Museus deverá ser o documento norteador para tais ações”, opina Maurício Luiz Bertola, pesquisador do Laboratório de História Econômico-Social da Universidade Federal Fluminense. A sugestão é de que seja feita uma investigação de itens relacionados à Casa de Bragança: “Quaisquer artefatos ou obras produzidas no Brasil, por brasileiros, mesmo do Período Colonial, também poderiam constar dessa lista. Mas cada caso deverá ser pesquisado e julgado separadamente”.

Em junho, foi inaugurado em Lisboa o Museu do Tesouro Real. Parte do acervo saiu do Brasil, como um diamante bruto garimpado em Minas Gerais, com 138,5 quilates e 27,7 gramas, e uma pepita de ouro com mais de 20 quilos. Uma pequena amostra, pois de acordo com o livro O Ouro Brasileiro e o Comércio Anglo-Português, de Virgílio Noya Pinto, a produção brasileira no século XVIII teria ultrapassado 870 mil quilos. Em 2021, o Padrão dos Descobrimentos, ponto turístico da capital portuguesa que exalta as navegações, foi pichado com a seguinte frase: “Velejando cegamente por dinheiro”.

Diante desse cenário, chega a ser curioso pensar como se dará essa devolução proposta por Portugal. No caso do Brasil, estudiosos destacam que peças de origem indígena ou fósseis podem ser prioridade. A professora de História da Arte da Estácio, Adriana Nakamuta, avalia que itens nacionais do museu da monarquia poderiam ser incorporados ao nosso patrimônio: “São objetos de debate importante sobre os processos colonizadores, a produção de obras e artefatos com matéria-prima brasileira e exploração do território”, afirma a professora. “Esse movimento de repatriação de obras e bens culturais de países que por séculos foram colônia têm ganhado força no cenário acadêmico e político-cultural”.

Para Edna Carla Stradioto, curadora e doutoranda em Modernidades Comparadas na Universidade do Minho, em Portugal, o Brasil poderia reivindicar as peças do recém-inaugurado museu por questões morais. “Entre os objetos, há mais de 22 mil pedras preciosas, dos quais 18 mil são diamantes. A segunda maior pepita de ouro do mundo está lá e saiu do Brasil”, afirma. Na onda do revisionismo histórico, há algo mais que poderia ser feito. “Deveria haver um projeto de devolução que incluísse toda uma solução para o país receber os bens. Seria mais construtivo e reflexivo na linha da reparação”, sugere Edna.