16/09/2022 - 9:30
Logo as pirâmides egípcias completarão 5 mil anos e ainda assim seguem provocando curiosidade. Agora, pesquisadores da Universidade de Marselha, na França, apresentaram novas pistas sobre um afluente do rio Nilo, que teria possibilitado o transporte via fluvial de imensos blocos de pedra, com as águas do período anual das cheias servindo como “elevador hidráulico” à beira do Planalto de Gizé. Ali, entre 2550 e 2490 a.C., foram erguidas pirâmides por ordem do faraó Khufu (ou Kéops) e das três principais Kéops é a maior, com 140 metros de altura (metade da Torre Eiffel) arranjados com 2,3 milhões de peças de granito — as outras duas são em honra do filho Khafre e do neto Menkaure. Hoje, Gizé é a segunda maior cidade do Egito e fica ao lado do Cairo, a capital. E o tal afluente — o rio Khufu, que tornou possível a construção do conjunto de Gizé, a mais antiga das Sete Maravilhas do Mundo — sumiu.
Florestas mudam de lugar, rios “encolhem” ou desaparecem, e uma área que tivesse vegetação exuberante pode se tornar semi-árida, como explica o biólogo Cleir Freire, doutorando em Ciências Ambientais. Por isso, esses achados arqueológicos também alertam sobre as conseqüências das mudanças ambientais. Com desmatamentos, nascentes secam e regiões inteiras entram em processo de desertificação — como já acontece no Brasil, que parte do nordeste em direção ao norte e centro-oeste do país.

De floresta a caatinga
No caso do Egito, os estudos liderados pelo geógrafo Hader Sheisha mostram que as águas do Khufu, que subiam a cada ano, possibilitaram a elevação de toneladas de pedras — supostamente levadas em barcaças — até a altura da margem oeste desse afluente. Dali, por um canal aberto artificialmente, o “material” seguia pela água até o ponto mais próximo possível do “canteiro de obras”. Os pesquisadores atestaram a existência do Khufu e o “complexo do porto fluvial” a partir de análise de rochas perfuradas em local que há milênios era alcançado pelas cheias do rio Nilo. E também com um inusitado exame de grãos de pólen fossilizados em solo que entra 2700 e 220 a.C., ainda era coberto por vegetação. Oxigênio retirado de dentes e osso de múmias de 332 a.C., ano da conquista de Alexandre, o Grande, mostram pouca ingestão de líquido, ou indica época mais seca, de quando o afluente Khufu já tinha se reduzido para “ribeirão”.
Não apenas o Khufu desapareceu, como toda a área inundável no entorno do Nilo está reduzida. Essa transformação de área que passou de floresta a semiárido alerta para riscos atuais, com degelo acelerado no Ártico e extensos desmatamentos na Amazônia. Cleir Freire observa que o Egito pode ter passado por processo similar ao México, onde os maias devastaram florestas para queimar madeira e confeccionar uma liga para suas construções, também em pedra e com pirâmides. “No Egito, para o rio secar, o terreno deve ter sido desmatado, para a madeira ser usada em suas construções e também para fazer barcos. O solo exposto, sem árvores e suas raízes, torna-se menos poroso e mais árido, sem nascentes. Os lençóis freáticos também ficam mais baixos e há retração da área alagável. Com menos água na superfície, a temperatura sofre mudanças mais rápidas e bruscas, para mais e para menos.”
No Brasil, isso foi visto no Piauí, na fronteira com Pernambuco. “Em São Raimundo Nonato, ao lado da Serra das Confusões, estão os registros humanos mais antigos da América, a região teria sido de florestas densas, similar à amazônica, com grande variedade de animais”, explica o cientista ambiental. “Agora é um semiárido. Caatinga mesmo”.